16.9.08

Talvez o Livro

Tenho dito que também vim para aqui para escrever. É mentira, não o tenho feito e cada vez resisto mais a fazê-lo, porém, certamente por má consciência, a cada vez que tenho a possibilidade de escrever (como hoje quando respondi a um e-mail que acabei por não conseguir ler, ou quando comentei uma crónica de uma mãe sobre os segredos do filho), não resisto a mostrar a escrita que não tenho e, no intimo, porque é mesmo verdade que os actos ficam com quem os pratica, diminuo-me mais ante mim e fico ainda mais irritado. Talvez por isso seja a hora de fazer o que tenho evitado: escrever sem restrições, sobretudo ao nível da fuga de ideias, porque ela existe e tal como aconteceu nos desenhos, talvez ela seja o melhor do que em mim ainda existe.

"O que de mim ainda existe"
Acreditar, ainda que seja no tempo da escrita da frase que a "fuga de ideias" é ainda o que de melhor em mim ainda existe é só por si um tema que sinto instintivamente próximo da minha pintura: Se não tiver tempo para pensar muito, se me limitar a ser o mais espontâneo possível, se prescindir de qualquer plano, ou mesmo ponto de partida, talvez consiga escrever alguma coisa que me satisfaça. Tal como no desenho aconteceu, alimento a esperança de poder entreter-me com a escrita, que possa acontecer aquele apagamento do tempo que me levou a pintar compulsivamente até aqui. É tão forte esse sentimento que já me ocorreu pegar nos quadros e fazer textos a partir deles. Porém, seria já ter um ponto de partida, seria já começar em transgressão com aquilo a que me proponho quando começo um quadro, não saber o que nele passará a estar contido, o que nele começarei a perseguir a partir de certo ponto. Vejo uma forma depois de desenhar a mancha, e com a caneta procuro revelá-la para os outros, porque se eu próprio passado dois minutos não vou conseguir voltar a "ver" essa forma, então qualquer terceiro, sem que a mesma seja "revelada" pela caneta, tão puco a conseguirá ver. Uma vez revelada a forma, a mesma aparece, na maior parte dos casos, como se tivesse sido intencional o seu desenho desde a mancha, como se a mancha só pudesse ter contido aquele desenho, que através da caneta foi revelado. Desde que comecei a desenhar dessa forma (e tenho mais ou menos presente o como e quando desse primeiro desenho que fiz numa madrugada junto da casa da casa do Calvário no Minho) que o processo em si me tem intrigado teorizando levemente sobre o mesmo.

No texto que preparei para a apresentação da primeira exposição escrevi: "enquanto espero que aconteça qualquer coisa, vou rabiscando e tentando acompanhar o que vai aparecendo no papel. Não é um desenho espírita mas é um bocado isso. Colado de <http://tiago-taron-aguarelas.blogspot.com/> "

Hoje, curiosamente, ou significativamente, enquanto escrevia a resposta ao tal correio que não consegui ler e que ler e que me foi enviado pela mulher de um conhecido de longa data e que também começou a pintar recentemente), dou com a palavra AKASHA (do sânscrito e que segundo a Wikipedia significa "o princípio original, espaço cósmico, o éter dos antigos, o quinto elemento cósmico (quintessência), a quinta ponta do pentagrama. É o substrato espiritual primordial, aquele que pode se diferenciar. Segundo a teosofia relaciona-se com uma força chamada Kundalini. Eliphas Levi o chamou de luz astral. No paganismo, o Akasha, também chamado de Princípio Etérico, corresponde ao espírito, à força dos Deuses. É representado no Hermetismo, segundo Franz Bardon, pelo Ovo negro, sendo um dos cinco Tattwas constituintes do Universo in <http://pt.wikipedia.org/wiki/Akasha>

O encontro da palavra AKASHA [e o que terá a ver com a plavra "Acaso"? E com a palavra Achar?] deu-se através de uma curiosa (e eventualmente também significativa coincidência, ou concatenação de factos convergentes até à coincidência). Ontem tive visitas no monte, mostrei os meus quadros à mulher do irmão do meu amigo e escultor Gonçalo Jardim, que também pinta. No final do lanche deixou na net o endereço do seu blog, onde tem os seus trabalhos (o blog tem o seguinte endereço e vale mesmo a pena http://rasgo.wordpress.com/).

Depois de ver os seus trabalhos enviei-lhe um e-mail onde a certa altura escrevi, a propósito da circunstância dos seus desenhos me fazerem lembrar os registos, pequenos quadros, que se fazem com os santos: " Os registos são mas caixinhas de vidro feitas com colagens de papeis (dourados, púrpura, com fitas, laços e frisos de papel, algumas flores secas e tudo aquilo que se possa colar no fundo dessas caixas, que são a parte onde o quadro se compõe geralmente à volta da figura de um santo – ver ficheiros anexos)".

Para ilustrar esse parágrafo procurei anexar ao e-mail exemplos de registos, tendo sido na pesquisa de imagens através do respectivo motor de busca do Google e do descritor "registos" que encontrei a aquela palavra acompanhada por uma imagem que fazia lembrar algumas das figuras que desenho. Sob a imagem vinha então a referência a Akasha e a sua ligação a um conhecimento primordial na base do qual estariam os momentos - como lá messe sítio eram designados por AKASHAKIANOS - em que temos associações de ideias inconscientes, ou a sensação de "dejá vu". A palavra, entretanto, tínha também um significado relacionado quer com as ciências do oculto, quer com a própria psiquiatria (para quem designa uma espécie de consciência colectiva ou consciência primeira). Finalmente m dos escritores que utilizou o vocáblo foi Eliphas de Levi [Dele acabo de descarregar um livro que parece ser muito intreressante e que se chama a Ciência do Espírito. Vou começar a ler e já volto, entretanto o livro pode ser descarregado em http://www.eusouluz.iet.pro.br/biblioteca/pafiledb.php?action=license&id=3&file=161&PHPSESSID=d1c7cc7a070aaef1ece7154741da3ff1.

Acabo de escrever isto e sinto, sem que possa dizer que seja forçado o sentimento, algo parecido com o Eureka de Arquímedes. Tenho finalmente completo o tema do livro que dizia que para aqui vim escrever. Já uma vez tinha pressentido a imanência desse tema. Escrever a história de um pintor que a certa altura da sua via e porque desenha quase sempre em público, começa a desenvolver uma espécie de filosofia de conhecimento e de vida a partir do seu processo de pintar (o desenho ao contrário em que se começa primeiro pela mancha e cor e depois se revelam os conteúdos figurativos) para explicar coisas que aparentemente nada têm a ver com esse processo mas que ele acaba por descobrir por causa desse processo. As conversas que tem, os desenhos que vai oferecendo, o seu carisma enquanto pinta e fala dessas coisas, fazem dele um fenómeno de comunicação e de adesão, levando as pessoas, sem que ele o peça ou sequer espere, a procurar coisas suas, nomeadamente na net, no seu blog, onde a partir daí se começa a gerar uma corrente, não bem de amigos, nem de discípulos, mas de pessoas que encontram nas suas ideias uma nova matéria para os seus dias, que dessa forma se alteram. Gera-se então um movimento espontâneo e que a partir dos desenhos daquele homem, fazem dele um dos líderes intelectuais da sua geração e que conduz a uma revolução que, como todas, acaba por ultrapassá-lo. É este o tema do "Talvez Livro" que se segue e que parte da constatação com que comecei esta introdução. "O que de mim ainda existe" está mais no que não domino, nas associações "ASHAQUIANAS", nas formas que pressinto nas manchas dos desenhos, no que não consigo verbalizar mas é sentimento, na fuga de ideias, na associação de ideias que me escapa, do que no que aprendi, naquilo que tenho consciência de saber.

"como se em matéria de fé fosse legítimo que o medo superasse a confiança", Eliphas de Levi a propósito da ameaça romana do inferno para os não aderentes.

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