- E agora Manuel?
A festa acabou e o parque estava com o ar desolado com que ficam os sítios por onde passam as manadas de humanos. Os dois homens continuavam a varrer o chão. O Manuel não respondeu, o outro continuou:
- Parece que é mesmo como aquele outro senhor Funes diz, ele que pensa bem e escreve ainda melhor, ele é que percebe, o pagode quer é festa, esta lebre já está corrida, venha a próxima efemérida em directo e alaive, para nos sentirmos outra vez muito contemporâneos com a história: "Oh, Oh, Olha para mim tão contemporâneo. Oh para mim a viver a história".
Num cartaz que o varredor segurava agora na mão lia-se: "Eu estou aqui para um dia poder dizer aos meus netos que estive aqui". O Manuel, continuava a na sua tarefa e não dizia nada. Era do Quénia, retinto, com o nariz de batata de que fala o Saramago.
- Oh Manuel já vistes?! Oh! Olha! Este nem sequer levou de volta o cartaz com ele. Dâ-se! Se era para contar aos netos ao menos guardava o cartaz, com uma fotografia dele em novo, com o cartaz na mão, com o sorriso de papalvo igual aos milhões de sorrisos papalvos - descontando o outro dos outros milhões com duas vezes mais milhões de lágrimas nos cantos dos olhos.
- Dâ-se. "Oh para ele, com o cartaz em novo, a acreditar que vai ser avó, a acreditar que o Obama vai mudar o mundo.
O que não parava de falar chama-se Chico e é mulato, cheio de ginga e de fluorescência nos ténis que acompanham a passos curtos a cadência das risadas com que ia intervalando as frases.
- Ca gandas cromos. Tu viste na televisão? Todos em pé, ali juntinhos, todos os bons e maus do filme dos últimos anos, como se estivéssemos em festa, como se a coisa não estivesse preta. A torrar dinheiro, é o que é, a torrá-lo. Ih Ih,né Maneli, a coisa está esperêta mermo, né?. Como na música do outro Chico ..."que a coisa aqui está preta".
O Manuel olhava fixamente o chão, apoiado na vassoura e pediu ao outro para se calar. Pediu baixinho, de olhos fechados enquanto chorava.
- Eh pá oh Maneli que é isso, então oh mano, eu estou com ele, mano, estou contigo mano, esta treta da malta ficar toda assim infórica é qué coma Tia diz, já n'há pachorra. Eh pá o gajo até é como eu, tás a ver, assim esticadinho, pardo, todo pintarolas. Curto o gajo, tás a ver?
O outro levantou a vassoura do chão, colou-a ao ombro, tinha uma enorme barriga que parecia desequilibrá-lo à medida que andava, tinha vestido um macacão de ganga azul, era o Pai Tomaz e enquanto ia embora disse ao outro. Ele não é como tu, ele é como eu.
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