Acabei o primeiro quadro que fui pintando desde o dia seguinte à inauguração. Tinha-me proposto fazer uma planta do bairro alto e depois preenchê-la com o que fosse ocorrendo, de dentro e de fora da folha. Porém o primeiro desenho não deu em planta e só no final me apercebi que era um Índio, o Índio de que eu falava no início da exposição e cuja visão das primeiras caravelas eu procurei imaginar. Barcos com bico de pássaro, barcos com cidades, azulejos, mulheres e bichos raros dentro, barcos em que o centímetro era mais valioso que qualquer ouro e onde se amontoavam cores, objectos estranhos, rostos bizarros para aquele Índio. Se escrevi isto no início da exposição, nem nessa altura me apercebi que me faltava nos desenhos o personagem principal de que falava, o Índio. Pois ele acabou de aparecer no último desenho. Do lado direito da folha emergiu um rosto que revelou como pé o promontório que se encontrava desde o início no lado oposto da base da folha. Apareceu ali, deitado, com o que parece ser um arco ou um totem a entrar pelo céu estrelado. Ao mesmo tempo a maneira como está deitado e a própria forma do pé sugeria-me de novo a caravela. Seria então a caravela do Índio. Pouco importa o título e certamente a explicação já sobra, porque o que eu gosto mesmo no desenho é que ele vem de uma zona de nós diferente da zona das palavras, uma zona que eu assumo de delírio, de desenho automático, de viagem cá por dentro. Delírio que foi o melhor adjectivo que um critico encontrou para os desenhos que viu, adjectivo de que gosto muito, embora pense não o merecer, porque conseguir transmitir o delirium é coisa a poucos reservada. No final destes primeiros dias devo um agradecimento, um agradecimento que escrevo em pé, com a formalidade e cortesia dos momentos solenes. Agradeço ao João Vilallobos por ter escrito isto e, antes de o fazer, por ter acreditado nestes delírios que agora irão continuar, finalmente, com uma planta do bairro alto. Ainda não sei como irei conseguir essa planta de forma a reproduzi-la num papel que tem 1m 60 cm de altura por 1m 20 cm de largura. Terei a manhã de hoje para resolver esse assunto, até lá a folha permanecerá em branco como se mostra em baixo na fotografia que o incansável Henrique Calvet mais uma vez fez (assim como as outras do tal Índio). Da mesma maneira que aconteceu com o anterior quadro também com este seguirei o mesmo processo: todos os dias estarei a pintar na Galeria, com uma frequência que também procurarei seja diária colocarei neste blog o progresso do trabalho e, finalmente, procurarei - como sempre - aceitar o caminho que o desenho me for dando, caminho que inclui todos aqueles que aqui vierem e me quiserem fazer o favor de falar do tema deste quadro: o Bairro Alto. No final do desenho escreverei a razão pela qual vou fazer esta planta. No final, porque se agora sinto que o devo fazer, não quero dar-me mais razões do que essa que basta para desenhando ir descobrindo as que estão na sua origem. Por último este blog tem sido dedicado ultimamente à exposição. O Alentejo dorme como na fotografia que está no topo da página, as cadeiras lá estarão, assim como o cavalete, sinto a falta desse lugar onde voltarei assim que a exposição terminar para, entre outras coisas, terminar a Variação da História do Príncipe com Orelhas de Burro.
Sobre a exposição entretanto podem ver os tais artigos que referi: o do João Villalobos, o de Leonel de Jesus e a entrevista no Quarto Crescente (a partir do minuto 30'), um programa do Júlio Izidro a quem também muito agradeço ter sido tocado pela sua enorme simpatia e generosidade.
Agora vou começar a trabalhar.
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