É triste que um dos ramos mais sedutores do direito tenha sofrido tão pouca evolução desde a Convenção de Berna (1886).
É triste e dá que pensar. Para mim uma das principais razões do marasmo dos direitos de autor é a sua própria base. O fazer-se depender a protecção outorgada por esse código à condição de que as obras (a proteger) possam ser consideradas uma criação artística pessoal do seu criador. Julgo que serão necessárias muitas gerações até que aquilo que para mim é um equívoco seja substituído por outro equívoco, mas que resista mais à capacidade crítica desse tempo.
O equívoco está no atribuir ao indivíduo o papel de criador de obras "artísticas e originais". O equívoco está no endeusamento do autor como "criador", multiplicando-se depois as palavras: originalidade, criação, criação do espírito e por aí fora. Para mim todo o artista é um intérprete do seu tempo, dos seus genes, do que recebeu e está à sua volta, ou simplesmente um artesão, um manipulador eficiente dos instrumentos de que dispõe.
Há uns que interpretam (ressoam, catalisam, ou lá o que se quiser) o seu tempo melhor que outros, ou que dominam melhor os seus instrumentos que outros.
O critério de protecção a atribuir a uma obra, por muito que repugne aos artistas, deveria ser pura e simplesmente o seu valor económico, o que até ser encontrado melhor aferidor, terá de ser sempre medido em dinheiro.
Se um fotografo deixa o seu tripé numa estrada, em modo de fotografia automática e num desses disparos casuais a câmara capta o momento em que um meteorito colidiu com a terra, ou o momento em que se dispara a arma sobre o viet cong, teremos de excluir a protecção dessas imagens do âmbito dos direitos de autor, por mais valor económico que possam ter?
Bem sei que o exemplo é muito fraquinho, mas a questão que mais estranho no imobilismo dos direitos de autor é que fica ao critério do Senhor Juiz ou dos Senhores Juízes, determinar se a obra em questão é ou não uma criação artística e original. Ora, tudo seria mais fácil se o critério fosse o básico: foi produzida pelo homem, tem valor para os outros homens, há quem esteja disposto a dar dinheiro por ela, então, seja ou não artística, seja ou não original, merece o seu dono (dono porque a fez lá como tiver feito) poder afirmar o seu direito de propriedade, nomeadamente o direito de ser ele a obter os proveitos da exploração económica do que tenha feito.
Porém os artistas continuam mais presos aos aspectos "morais" e pseudo transcendentes da criação do que interessados em reservar para si o que é seu: o dinheiro que as obras possam valer. Só assim se entende que neste país sejam poucos os artistas - mesmo entre os consagrados, mesmo entre os cotados e objecto de sucessivas vendas - que saibam que têm direito a receber 6% sobre o preço de cada alienação que façam da obra a partir da primeira venda (artigo 54º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos) . Sendo todos os intervenientes nas sucessivas alienações dessas mesmas obras completamente desconhecedores desse direito - com óbvia relevância se considerarmos os preços a que se negoceiam hoje os quadros da Vieira da Silva do Mestre Cargaleiro, da Paula Rego, do José de Guimarães, do Pedro Cabrita Reis e do Julião Sarmento. Como explicar que o direito de sequência (assim se chama por cá) não seja "seguido" atentamente pelos seus titulares.
Se um quadro meu fosse revendido por EUR 100.000,00 (cem mil Euros), porque raio de razão iria eu abdicar dos EUR 6.000,00 (seis mil Euros) que a lei me reserva?
Por ignorância? Por preguiça? Não, para mim a única justificação é que os artistas continuam com uma relação complexada em relação ao valor económico, aos carcanhois, em que se deve traduzir o que fazem, quando o que fazem tem para os outros valor. Se olharmos para o mercado da arte em Portugal e considerarmos os 6% que ficam nas mãos de todos os vendedores porque ninguém se lembra de os cobrar temos uma das medidas desse complexo.
Sem comentários:
Enviar um comentário