28.5.09

Gondarém (1)

"(Sobre o novo, como esta música de que gosto e que nunca ouvi antes e que só conheço por causa da novidade que imponho a estes dias.)

O novo e a novidade têm a mesma substância que compõe as coincidências. Tal como as coincidências não existiem também o novo é uma humanização da realidade. Se uma coisa me impressiona, como esta música que agora ouço, se gosto e se quero mais, sinto uma das emoções do novo: a sensação de primeira vez.

A emoção de sentir que é a primeira vez desliga-me um poucochinho do que está acontecer, acrescentando à sensação de novo o conforto da possibilidade da sua repetição. Pensando nessa possibilidade consigo viver melhor as coisas novas boas, afastando o pensamento do fim.

Há no prazer uma pequena angústia, a angústia da antecipação do seu termo, por isso abdico de um pouco da minha atenção à novidade e continuando a gozá-la, saboreio por antecipação o seu regresso."

Leio o que acabo de escrever e penso que se fosse menos preguiçoso poderia depurar o excesso de tentativas que para ali estão, filtrar o excesso de palavras, deitar fora o que está a mais, sobretudo o que está ao lado, e escrever um poena. Não é bem escrever um parágrafo, é mesmo escrever um poema, para que as palavras que restem não façam mais sentido do que aquilo que vou pensando, na maneira imperfeita, vaga e incompleta com que naturalmente penso.

Olho para o bloco que tenho na mão, onde escrevi estes dois parágrafos e pergunto-me porque raio tive de vir para a margem de um rio para escrever isto.

De casa aqui são vinte minutos, ainda agora cheguei e já está quase a anoitecer - consegui escrever os aqueles dois parágrafos e ainda não passou metade do tempo que demorei a chegar aqui. Se contar o tempo que falta de caminho de regresso e avaliar bem a posição do sol, se avaliar bem a luz que ainda faz, vou perceber que o sol já se terá posto quando chegar a casa. Chegar à noite é o menos, a parte do caminho à noite é que não. Caminhar à noite é um outro filme que nada tem a ver com aquele para que hoje saí.

Estava bem disposto, alegre, a luz era perfeita. Momento único. Um momento único tem de ser registado, para que não se perca, é como tentar capturar, durante a passagem de alguém, uma porção dessa aragem levemente perfumada.

A única maneira que conheço de o tentar fazer é escrever. Foi para isso que saí de casa, em direcção ao cais. Sento-me, sinto a pressão de estar a utilizar o tempo que procurava para apanhar o momento perfeito, no sítio perfeito. Irrita-me a noção disso, o teatro, mas não posso estragar o que fiz: o caminho, o estar ali e, sobretudo o que custará ter de voltar à noite.

Certamente ainda apanharei cinco minutos de caminho à noite. Aí quando estiver a caminhar na estrada Nacional 13, cruzando-me a pé com os faróis dos carros, quando sentir o início do frio inóspito da deslocação de ar na velocidade dos camiões, aí, quando regressar assim para casa, toda a boa sensação que há pouco me fez sair e vir para aqui terá desaparecido, como uma música que nos inspira quando acaba, assim será o meu caminho à noite.

Continuo a ler aqueles dois parágrafos, entediam-me como um frete, o frete de ter de escrever, de guardar, de ter feito este caminho todo com a ilusão de capturar o momento. Mas se o momento desapareceu o que é que eu estou aqui a fazer? Regresso então a casa.

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