Loanda, noite de 21 para 22 de Fevereiro de 1895.
Chove torrencialmente.
José acorda com a chuva a bater furiosamente nas telhas sobre o seu quarto.
Ainda não se lembrou do filho, tem sido assim desde que ele nasceu. Acorda e sente que há qualquer coisa, que o acordar ainda não está completo, que aconteceu o quê?. É nesse momento que regressa o peso da consciência, como a gravidade ao corpo, Helena já não vive e em seu lugar dorme no quarto em frente ao seu, o que dá para o mar, o pequenino, o pequenino António, "o meu filho".
Levanta-se e vai espreitá-lo. A chuva pode tê-lo acordado. Teme que a água escorra pelas paredes que estão sempre húmidas e criam manchas tristes de salitre cinzento em todas as casas de Loanda. A porta range, amanhã oleará as dobradiças. Entra. O pequeno dorme. Não está sozinho. Mal entra no quarto José encontra o olhar fixo de Joaquina. A a criada parda que acabara de ter um filho e que amamentava António, está sentada na cadeira de baloiço junto ao berço que mandara vir do Brasil e que ainda tem as rendas com que Helena o forrara. Cumprimentam-se com um aceno de cabeça, José aproxima-se do berço, mas fica imóvel. Ninguém se mexe.
Estaca junto ao berço de pau. Olha o filho, observa as paredes, agora encosta-lhes as costas da mão para se certificar que a água não escorre por elas e regressa para o seu quarto voltando a cumprimentar Joaquina que lhe sorri sem que ele veja mais que os seus olhos a que não chega o sorriso.
Vai tudo correr bem, pensa.
2 comentários:
Gostei MUITO. Gostei mesmo muito.
E da "criada parda"? consegui vê-la mover-se, cautelosa e atenta.
Vi tudo, aliás. Filmico. Muito bom. Muito bom mesmo.
Muito bons, de receber, são os seus comentários. Obrigado Marta, muito obrigado, muito, mesmo.
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