(Ilustração 2 e 3)
No tempo em que era novidade o "vídeo / piada" alguns tinham mesmo muita graça, um dos primeiros que me recordo era de um homem a quem só pediam que dissesse: "as árvores somos nós" para um anúncio que parecia ser sertanejo (ver Ilustração 1).
Sobre as árvores, outra coisa que me lembro é de um escrito de José Saramago. O que me ficou da memória desse escrito era um jardim com árvores e um avô que imaginei esguio como ele e curvado como os troncos desse pomar, que teria ido abraçar, para assim se despedir de cada uma dessas árvores antes de morrer.
Outra coisa que me lembro (ainda sobre as árvores) é a imagem de um enorme carvalho junto do qual Steinbeck parou durante as suas viagens com Charlie (um cão de água português), vejo o espanto do autor ante a indiferença do cão à majestada da árvore, quando lhe mija como se fosse uma outra árvore qualquer.
Se continuar em associação livre, lembro-me de há pouco tempo o Mário Zambujal ter referido que só tínha reparado nas árvores da sua rua quando um amigo o foi visitar e falou delas.
Finalmente, lembro-me de uma deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, datada de 1909, em que a edilidade demonstrava a sua preocupação com a circunstância das árvores do passeio da Avenida da Liberdade estarem a adoecer por causa do gás utilizado na iluminação nocturna e que se estaria a infiltrar na terra, o que levou a que fossem aprovadas medidas para combater a doença.
Depois há aquela história do plantar uma árvore e as múltiplas outras histórias passadas à sombra delas; há também a às vezes difícil relação do homem com aquilo que lhe perdura (eu seria incapaz de ter um papagaio, porque duram 80 anos, mas isso é porque só sabem aceitar um dono) e a não menos difícil relação do mesmo homem com aquilo que tem vida mas que não é igual à sua falta dela.
O que hoje me faz pensar nas árvores é o que lhes está a acontecer no jardim onde todos os dias tomava o pequeno almoço, a imperial de fim de tarde, ou lia o jornal de manhã (ver Ilustrações 2 e 3). Todas as árvores do passeio do Príncipe Real, que faziam e formavam uma primeira muralha de verde junto ao jardim central estão a ser cortadas.
A violência da coisa não pode ser descrita por palavras e como sempre seriam preciso um bom fotografo, que não sou, para captar a desolação do lugar.
Qual a razão para uma razia destas? Como é que num tempo de referendos e de paleio sobre a democracia participativa se faz uma coisa desta dimensão sem informar ninguém - os que vivem, conversam, leêm , namoram, esperam autocarros, passeiam cães, junto dessas árvores há mais de quarenta anos?
É tonto pensar na angústia do cão que sempre mijou na terceira árvore a contar do Quiosquie, já não será tão tonto pensar na angústia do Sr. Oliveira, dono do Quiosque e que todos os dias, varria do chão as folhas da árvore que lhe cobria de sombra a esplanada nos dias de Verão, que lhe abafava o som da coluna que lá tinha pendurada, quando os pássaros no final do dia ficavam um dia mais velhos; já não será tonto pensar na angústia da menina que todos os dias passava debaixo daquelas árvores a caminho da escola, a caminho da escola onde lhe ensinam a importância do respeito pela natureza como um dos valores do Século XXI, a menina a quem um dia ofereci um quadro que se chamava "A minha casa é uma árvore no Príncipe Real".
Por favor, expliquem-me o que é que está a acontecer. Tem de existir uma razão, uma razão muito forte para o que hoje se passou no Jardim do Príncipe Real. Mas que raio de razão pode ser?
12 comentários:
Tiago, provavelmente as raízes estariam a rebentar com o passeio, a estrada ou canalizações. Não se esqueça que o betão é quem manda. Já tenho visto fazê-lo por essas razões.
Mas já viu a vida de uma árvore? Nasce onde calha, aprisionada pelas raízes e forçada a uma morte lenta dessas, sem defesa.
Tiago: percebo a sua indignação. Mas penso que tem que relativizar essa indignação. Eu sei que nem sempre as autarquias se portam bem e, em relação aos espaços verdes, há muitas razões de queixa. Mas, neste caso concreto, aquilo que viu hoje integra-se nas obras de reabilitação do jardim que a Câmara iniciou a semana passada e que, de acordo com o que li nos jornais, se prolongam por 4 meses (essa informação do prazo previsto deveria constar do cartaz que publicita a obra e não está lá). Para nós, utilizadores do jardim, esta intervenção prejudica os nossos hábitos mas a verdade é que, há muito, este espaço precisava de ser alvo de obras. Os pavimentos estavam muito degradados, assim como o mobiliário urbano e muitas árvores estavam doentes. Segundo um amigo que sabe muito destas coisas o corte dos plátanos, de que fala, não é grave e com certeza se insere num projecto que penso que poderá ser consultado. Claro que todos nós temos receio que, atrás das reabilitações sejam destruídas coisas importantes mas a verdade é que um jardim é uma estrutura projectada e construída pelo homem e este também tem de zelar por ela pelo que as intervenções têm que ser feitas, mesmo que algumas árvores tenham que ser sacrificadas. Todas as centenárias e exemplares quase únicos serão certamente apenas tratadas. Cá estaremos daqui a uns meses (que são capazes de ser mais de 4) para ver como tudo ficou. Espero que possamos dizer que está melhor. Por enquanto acho que nos podemos sentir satisfeitos por ter sido retirado o posto de abastecimento de combustíveis que estava junto ao quiosque e por ter sido posto a funcionar o outro quiosque do outro lado (se bem que eu continuo a preferir o do Sr. Oliveira). Por outro lado é verdade que hoje já não pudemos escolher uma mesa à sombra para tomar café…
Paula: Que fosse constatável as raízes não estavam a rebentar com o passeio, ainda que ignore o que se passa debaixo dele. O corte das árvores foi generalizado, hoje cortaram-se TODAS as árvores que cercavam o jardim, haveria algumas doentes, talvez, o que me dizem é que estavam todas sãs. Quanto à vida da árvore gosto de a imaginar feliz, ainda que saiba ãmbas as perspectivas (a da imaginar "aprisionada" ou feliz são demasiado humanas para se aplicarem à árvore).
Analima: Eu não sou um defensor dos espaços verdes nas cidades, aliás acho que os espaços verdes a martelo, por brigação de PDM são na maior parte uma treta e quase todos infrequentáveis. O Jardim do Príncipe Real não é um espaço verde é uma das partes mais carismáticas e (por isso) habitadas da cidade de Lisboa. Alterar como hoje se alterou a configuração desse jardim, propor-se como parece que se está a propor a alteraçãoi do seu próprio interior é para mim motivo suficiente de enorme preocupação, porque praticamente vivo lá e vivi totalmente lá durante muitos anos. Quanto ao que foi anunciado pela Câmara se me permite acho que - e até que me esclareçam o contrário - publicidade enganosa para não dizer fraudulenta: se constasse dos cartazes que a "requalificação do jardim" iria implicar o corte de todas as árvores circundantes (mais de cinquenta árvores), tenho a certeza de que a mesma providência que impediu a evolução do tunel do marquês teria sido intentada com muito mais probabilidade de sucesso do que a outra teve (e que acabou por alcançar). Eu não me incomodo com a alteração dos hábitos, vivo em Lisboa, aprendi a conviver com uma Lisboa sitiada por obras durante anos e que no mandato do João Soares se destapou e estava mais bonita do que nunca. O que me preocupa é o que esteja por trás de três factos aparentemente desgarrados e que quero acreditar que só coincidam no tempo e não nos interesses que os fizeram coincidir todos neste ano: (i) a morte lenta da noite do Bairro Alto e do próprio Bairro, com a alteração forçada dos horários e o absurdo aumento da insegurança que imediatamente se lhe seguiu (hoje é perigoso andar no Bairro Alto às duas da manhã, nunca antes o foi como agora o é); (ii) a limpeza sem critério (e, pior, sem eficácia, dos graffitis que estavam espalhados pelo Bairro, se havia muito lixo gráfico também estavam nas paredes dop Bairro alto graffitis dos melhor "writers" do mundo. Estavam catalogados, existia mesmo um chamado "Museu do Efémero" com a história de cada um dos mais especiais e os seus autores. Os primeiros graffitis a serem eliminados foram esses. Hoje continuam a subsistir o lixo gráfico, só os catalogados é que não; (iii) projecto do Principe Real: O que é que se está a passar no Príncipe Real? Vão colocar outro pavimento quando o existente parece estar perfeito?. Retiraram só hoje mais de cinquemta árvores deixando o jardim nú, desfigurado, desolado? Vão construir um Hotel em frente do jardim? Foi vendida grande parte da Rua D. Pedro V a um só investidor? Que é que se vai passar no Bairro Alto quando começarem a ser ter de ser vendidos em fora os apartamentos do Convento dos Inglesinhos (obra de que francamente gosto)? O que é que vai ser no prédio enorme da Varela (que incluia a garagem que funcinava nas traseiras do Pavilhão Chinês)? O que me preocupa não é o espaço verde ou apenas a vida das árvores, é o que possa estar por trás disto. Por isso eu, sinceramente, queria perceber PORQUÊ. (desculpe a extensão da resposta)
«são demasiado humanas para se aplicarem à árvore», não gosto mas penso o contrário. não acredito que haja nada exclusivo do humano. deve ser um sufoco ser vegetal. se enraizado, imóvel, indefeso. se semente, ao «deus dará».
(loirices)
:)))
Paula: ainda bem que não gosta de pensar o contrário, compreendo perfeitamente.
O Jardim do Principe Real é (era?) acima de tudo um jardim romântico.
O Jardim Romântico não procura a harmonia, mas a intensidade e o dramatismo. Tentar, seja lá como for, organizar um Jardim Romântico, é retirar-lhe a sua característica essencial: O romantismo.
Destruir um Jardim Romântico é como destruir um sonho. Fácil e, aparentemente, pouco violento, mas, convém dizê-lo, irreversível
Rosa,
Gostava tanto que escrevesse sore isto que está a acontecer no Príncipe Real. O seu Blog de Cheiros, a existir casa da causa, seria a casa natural.
Tiago, começo a ficar cansada de escrever, em vão, sobre estas coisas. mas não desista!
São sorrateiros
os que não amam as árvores
destruindo pela calada, das leis
da reabilitação
(e só os amigos lhes dizem: olha ali uma árvore...está verde, não presta)
(imaginam quanto é que o Hyde Park daria em prédios?)
Sou a favor de qualquer espaço verde!
Lamento, fiquei penalizada de olhar esses troncos velhos. Ó filhos de Lisboa, levantem-se!
Queria muito fazer um novo comentário mas tem sido impossível. Talvez amanhã... aliás mais logo.
que barbaridade, e pensar que aqui onde estou a falta de monumentos historicos se visitam lugares com arvores centenarias, todas retorcidas do tempo, carcumidas de doencas mas que sao ainda vida e historia !
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