1.12.09

DA EVOLUÇÃO DA DISCUSSÃO GERADA SOBRE O JARDIM DO PRÍNCIPE REAL



Cavalete de n. nagashima, o pintor do Jardim do Príncipe Real, imagem retirada daqui.


Leio aqui este comentário de Nuno Salgado sobre o que está a acontecer no Jardim do Príncipe Real:

"Declaração de interesses: sou irmão do Ver. Manuel Salgado. Não sou paisagista, vivo em Lisboa desde que nasci e na freguesia das Mercês há 52 anos. Frequento o Príncipe Real. Passo lá todos os dias (mais do que uma vez por dia). Já visitei a mãe d'água e é pena que não esteja aberta mais vezes.
Não sei se as árvores estavam doentes (todas, algumas?). Sei que, há menos de um ano, caíu uma árvore de grande porte próximo do Príncipe Real, em cima de carros estacionados, e a CML teve de pagar o prejuízo (nesse dia parece que não houve conquilhas).
O jardim do Príncipe Real estava triste e sombrio, com uma densidade exagerada de árvores e arbustos e os canteiros feios e muito mal tratados. O jardim tem um conjunto de árvores de grande valor (essas tenho a certeza que não as vão abater) e que, por si só, fazem um grande jardim em qualquer parte do mundo. Os canteiros para serem bonitos não precisam de gradeamentos (ver o exemplo da Av. da Liberdade), precisam é de sol, coisa que ali não entrava.
Com o que foi feito até agora, o jardim já está mais "leve" e já se vê lá para dentro, o que é uma vantagem (confesso que não sinto falta das árvores que se foram e não faço ideia se estão numa fábrica de fósforos de um primo do Godinho). Ainda há muitos arbusto para limpar.
Como devem ter reparado, as árvores na zona da feira biológica, mantiveram-se o que cria uma zona de sombra útil.
Enfim, espero pelo resultado final para me pronunciar (para mim, o jardim da Praça das Flores está melhor depois das obras, mas isto de opiniões, cada um tem a sua."

A este comentário respondi como se segue:

"Senhor Nuno Salgado,

O seu irmão é um grande arquitecto, a si não o conheço e escrevo-lhe apenas por causa da sua opinião sobre o ganho já visível no Jardim do Príncipe Real. Aquele jardim foi construído (desenhado, como agora se diz) para ser um jardim que na altura se chamava "à inglesa", as suas críticas ao que era o jardim (antes do corte das árvores), ao seu lado sombrio e desordenado, à sua densidade em alguns lugares, só confirmam que o Jardim ainda tinha essas características antes de ser reabilitado. Os seus elogios ao que já aconteceu, à "sombra útil", à circunstância de o jardim sem aquelas árvores (porque foi só isso que até agora aconteceu) estar bem melhor, demonstra que para si – e está no seu perfeito direito – a protecção do património tenha de ceder ante os gostos de cada um. Para mim, uma das vantagens da existência de Institutos ou autoridades como os IGESPAR e quejandos, é o descanso que me dão de pensar que estes colocam o que é património acima dos gostos, das modas, da tentação de deixar obra. Posso não gostar nada dos Jardins do Centro Cultural de Belém e do excesso de "mediterrâneo" que há naquela construção, mas é um projecto impar e não fazia sentido vir alguém agora fazer um jardim "à inglesa" (como era o Jardim do Príncipe Real, ainda é o Jardim de Santos e vai sendo o Jardim da Estrela) no Jardim das Oliveiras do CCB. O que me espanta nesta discussão é a necessidade de encontrar motivos torpes ou ganhos escondidos para ter argumentos. Por mim não preciso deles, até porque não acredito na torpeza dos motivos ou na existência de qualquer plano. Basta-me o que gosto daquele Jardim, como
ele era e deveria bastar-me existir alguém que tem como obrigação a defesa do património que eu considero ser aquele jardim para o defender.
Já me espanta menos (nesta discussão) que a mesma seja tratada como se fosse mais uma histeria dos fundamentalistas ecológicos, que sofrem por ver as árvores serem abatidas como se de gente se tratasse e que colocam cartazes com os dizeres dramáticos "as árvores morrem de pé". Respeito-os, mas tenho de admitir que nasci há tempo de mais para ter aproveitado as delícias de juventude dos verdes (ainda que tenha apanhado de raspão a "scena" do nuclear não obrigado). Admito que a mim me incomoda mais a circunstância do Jardim ter perdido o seu exterior (as árvores que o rodeavam e lhe davam – por existirem – um interior) do que a perda daquelas árvores em concreto. Ainda que me pareça difícil de compreender o gesto do abate de uma árvore perfeitamente saudável, sem outras razões que as da "requalificação" de um Jardim como aquele.
Em síntese (e que me desculpem a extensão do comentário) ou aceitamos que o Jardim do Príncipe Real é património da cidade de Lisboa, com as suas características de origem: Jardim Romântico, jardim à inglesa, no sentido que essas palavras têm na história da arte e da arquitectura, ou não. Aceitando que sim, ou consideramos que o património deve ser protegido ao não. E isso coloca a questão acima dos gostos estéticos ou dos desgostos ecológicos.
Tiago Taron
Reproduzo aqui ambos so comentários porque me parece traduzirem as duas posições defensáveis nesta questão, agradecendo a Nuno Salgado (sinceramente e sem qualquer espécie de ironia ou cinismo, quer a frontalidade quer a oportunidade que me deu para pensar um pouco mais no assunto e procurar manter a argumentação o mais próximo possível do que sinto e não do que é suposto ser dito ou da eficácia persuasiva).

Entretanto, a preparação da "Acção Popular" (raio de nome) prossegue. No entanto, existindo mais pessoas empenhadas no essencial (a defesa do jardim) recebi de algumas destas o legítimo reparo de que a acção poderá ser prematura, por não se ter esgotado o diálogo e faltarem ainda informações que foram entretanto pedidas à CML. Um outro reparo vai no sentido de alertar para os efeitos perversos de uma acção deste tipo cuja consequência poderia ser o da suspensão dos trabalhos em curso, sendo nessa medida "pior a emenda que o soneto".

De maneira nenhuma quero interferir negativamente na acção de quem de forma organizada e certamente mais eficaz que a minha, tem procurado defender o Jardim (como por exemplo o responsável pelo lançamento da Petição, Jorge Teixeira Pinto), também de maneira nenhuma gostaria de fazer mal querendo fazer bem e, por último, o que menos quero é qualquer espécie de protagonismo nesta história. Só a circunstância da acção poder ser interpretada como uma espécie de resposta àquelas que o Sr. Vereador Sá Fernandes intentou, faz-me desejar o maior anonimato e descrição relativamente à mesma. Por isso terei necessariamente de ponderar a oportunidade da sua apresentação. Oportunidade no duplo sentido do momento e da sua pertinência.

Relativamente aos reparos digo:
a) A informação já disponível permitiu-me concluir (eventualmente mal, mas ainda nada me convenceu do contrário) de que o projecto em execução implicará o que ele próprio anuncia "uma requalificação" (ou reabilitação, palavra que permitiria entoar o Rehab No, no, no) de um jardim com características que se dão mal (podendo mesmo essa reabilitação ser fatal para essas características) com o tipo de preocupações que estão bem sintetizadas no comentário supra reproduzido de Nuno Salgado. Dizer que o Jardim do Príncipe Real era sombrio e pugnar pela luminosidade no mesmo, dizer que estava muito denso e que era necessário "despovoá-lo", ou que havia ali a "patine" do abandono precisando de ter uma cara lavada, dizer isto para justificar a intervenção já feita e a fazer, é para mim quanto basta para perceber que a alma do jardim, a sua assinatura (foi idealizado por um jardineiro em 1856, como se diz na própria informação da Câmara, para ser um jardim "à inglesa") o seu carácter ficarão para sempre perdidos caso o projecto que legitimamente se pode esperar daquelas palavras venha a acontecer.
b) O prejuízo do atraso na obra que poderá resultar da suspensão dos trabalhos.
Essa é uma questão preocupante, até porque todos temos memória do que foi a suspensão dos trabalhos no túnel do Marquês em consequência da providência cautelar intentada pelo agora Vereador José Sá Fernandes.. Pensando nela ocorreu-me que aquilo que poderá ser uma desvantagem, a presença no local de máquinas e homens, e jardineiros e - certamente - muitos técnicos qualificados, poderá ser transformada em vantagem, se o Tribunal afectar esses mesmos meios (e sem demora) às actividades de inventariação, salvaguarda, tratamento e restauro do existente. É nesse sentido que o pedido a apresentar está a ser preparado, o que se pede não é simplesmente a suspensão dos trabalhos, mas a sua monitorização por entidades que tenham mais capacidade do que a Câmara Municipal de Lisboa demonstrou (não) ter até agora. Seja enquanto responsável pela conservação do jardim, seja enquanto responsável pela ideia de "requalificar" um jardim cuja natureza (filosofia) choca com esse conceito.

Tiago Taron

1 comentário:

Rosa disse...

O facto de haver quem goste mais do jardim sem as árvores é totalmente irrelevante e uma forma muito superficial de abordar um assunto desta gravidade (só nos faltavam os inventores do bom gosto!). O que está em causa neste momento é a credibilidade e a competência da Câmara de Lisboa na pessoa do vereador responsável pelos espaços verdes. Eu nunca mais punha um jardim nas mãos daquele homem e não o deixava brincar mais com este.