13.2.10

LOANDA (continuação)

As noites sozinhas não existem, precisam de nós para serem o que são, noites. É por isso que nunca são iguais, como esta noite no mar, esta noite não existe fora do mar e se estivesse qualquer costa à vista não era esta era outra, a outra que vai chegar quando estivermos perto do porto. Os dias não, são mais independentes de nós. Não me custa imaginar que depois de morrer os dias continuem, já as noites é mais difícil.

Vejo-o encostado à amurada, na viagem em que conheceu a minha bisavó, é como se ele não saísse dali. [Com o meu avó é a mesma coisa, imagino-o sempre sentado num banco de comboio, numa carruagem vazia, com a brisa e a luz que deveria existir nos comboios da linha do Tua. Nem sequer era a linha do Tua, era a do Minho e estava muito mais ligada àquela viagem do bisavô para Luanda do que eu posso saber.]

Sei que se apaixonou pela minha bisavó nesse barco e soube também depois - porque o aprendi - que é muito mais provável do que se poderia pensar que alguém se apaixone para a vida numa daquelas viagens. Os cruzeiros devem viver dessa memória antiga que de alguma maneira está cá, e a decepção deles deve ter também a ver com ela.

Naquele tempo ele já tinha feito muitas viagens daquelas e não estou seguro sequer que aproveitasse do luar e da maresia do alto mar, como o vejo fazer de forma incessante. Duvido muito que pensasse aquilo das noites serem o mais pessoal que existe no tempo que vivemos. Mas se o penso acredito que ele o tenha pensado, é também muito mais provável do que julgamos que as nossas ideias mais absurdas sejam uma enésima repetição das que tiveram aqueles de que chegámos.

Talvez por isso me seja muito mais difícil vê-la, saber dela, da minha bisavó, enquanto que a ele o vejo nitidamente encostado à amurada. O clássico seria que dormisse, mas é muito nova, tem quinze anos para dormir no quarto dele. Ela fez a viagem com os pais. A história deles teria nascido de encontros fortuitos, ou na melhor das hipóteses consentidos pelos pais, sóbrios e contidos, mas com a espera felina daquele senhor, que seria a maneira dela o tratar e de dizer que era muito mais velho do que deveria ser. Mas os pais teriam consentido nas consequências da aproximação do cavalheiro distinto que os retirara da terceira classe do navio para os instalar naquela espécie de sonho, antes do regresso à vida deles, que aconteceria quando chegassem a Luanda e partissem para a construção do caminho de ferro de Moçâmedes.

O que posso imaginar dela é por dedução, a partir das semelhanças entre nós que não têm origem identificada, a partir das semelhanças entre todas as nossas mulheres.

2 comentários:

Patti disse...

Até que enfim!
Desde Junho que não lia por aqui mais nenhuma Loanda.

Tiago Taron disse...

estão a regressar, estão a regressar (já chega de bibliotecas e arquivos históricos ultramarinos e arquivo da marinha), Loanda precisa é de acção e menos desculpas dilatórias.