5.3.10

Um jardim sem jardineiro é um barco órfão de marinheiro




Leio o que se segue (nesta invernia desatada que me adia a alegria de viver que chega com cada Março):

"Os Invernos não se querem demolidores, mas às vezes acontece


Os Invernos demolidores são para os jardins, como as paixões assolapadas para os apaixonados: Inevitáveis, inesperados, desconcertantes, desconfortáveis, destruidores, desastrosos, provocadores e renovadores. Um Inverno como este que estamos a viver deixa, em qualquer jardim que se preze, feridas e dores para toda a vida, perdas irreparáveis, recordações eternas, mas, se lhe sobrevive, o jardim arrasado fica mais forte, mais resistente aos Invernos futuros, renovado e cheio de vida.


Para que isto aconteça - para que um jardim renasça em beleza depois de um Inverno demolidor - é essencial a ajuda de um jardineiro experiente que, na altura certa, saiba limpar as feridas, entender as dores, secar as lágrimas e semear o jardim que estava entregue às tempestades, às chuvas sufocantes e à fúria dos ventos. O jardineiro é para o jardim, como os verdadeiros amigos são para os apaixonados que sobrevivem a uma paixão assolapada." (tirado daqui).


Para além do muito que gosto de voltar a ouvir a palavra "assolapada" que é a que melhor designa o estado de paixão quando recordado ou visto de fora (ouço as avós todas a contar as histórias dos desvarios familiares com as cores dessa expressão a cada capítulo amoroso, camiliano ou de pura traição), quase que consigo imaginar o Peter Sellers no seu inesquecível Mr. Chance a dizer o que acabo de ler. Imagino-o envergando o seu sobretudo, num directo filmado no Jardim do Príncipe Real, com a imagem subliminar de Mestre Agostinho da Silva numa copa das árvores que restam, ou com o próprio retrato do mestre num pin preso à lapela.

Fazem tanta falta as palavras do Mr. Chance àquele jardim. Enquanto penso isto a autora daquelas palavras pergunta se o Jardim do Príncipe Real não vai ter um jardineiro, é a pergunta do milhão nesta história do jardim, que como uma noiva quer noivo, não pode deixar de querer jardineiro. Um jardineiro constante ou fiel, para utilizar a variação do título do livro de John Le Carré (que por acaso esteve sentado com o Senhor que vejo na lapela de Mr. Chanceneste jardim onde filmam o directo em que revejo o Mr. Chance). Faz falta ao Jardim do Príncipe Real alguém como Mr. Chance, que soubesse que terminados os trabalhos da marabunta começariam para ele os trabalhos de todos os dias e que, por isso, olhasse para o que estão a fazer a pensar nos trabalhos que o esperam.

O Jardim do Príncipe Real foi desenhado por um Jardineiro, no seu início tinha mesmo uma pequena construção de apoio ao Jardineiro, que hoje é um mictório (urinol). Um jardim sem jardineiro é um barco órfão de marinheiro. Há coisas que precisam de dono, ou do domínio que o amor dá, acho que o jardim do príncipe real é uma delas.


Obrigado Rosa, Bem-vindo Mr. Chance!

1 comentário:

Rosa disse...

Obrigada Tiago. Não é apenas o imodesto obrigado pelo link, mas é um obrigado por se preocupar com estas coisas com que quase ninguém se preocupa.

O jardim devia ter um jardineiro com um nome, sim. Mas tem apenas um vereador que é apenas um nome, e de jardineiro não tem nada.