23.8.11

Once Upon a time Majong Wall

Era uma vez uma parede onde muitas vezes me encostei, em diversos dos seus pontos. Tenho a certeza de que se a cada vez que me tivesse encostado nela deixasse uma mancha correspondente à área do ombro direito (a maior parte das vezes era essa parte do corpo e esse o ombro) ou das costas (parte superior do dorso, maioritariamente e quase sempre quando dela necessitava para assegurar o equilíbrio) então essa mancha cortaria com uma linha horizonal mais ou menos irregular, as paredes que estive a pintar.

A parede ficava (e fica ainda, porque por muito que hoje não pareça é a mesma) no interior do meu primeiro bar a sério no Bairro Alto. A sério porque os outros eram do tempo da clandestinidade, entrava de surra e era sempre como a sensação de guiar sem carta. No Majong não. Estava em casa. O "meu primeiro bar" foi uma das minhas primeiras conquistas da ´vertiginosa idade adulta que a esta e outras se seguiram e lembro-me perfeitamente dessa primeira vez.

Eu tinha vindo do Porto, a meio do estágio (advocacia). Numa das últimas saídas nocturnas no Porto - a última foi a da minha despedida, com a malta do escritório e ocorreu no Pérola Negra que dava dez a zero aos ambientes do filme seguinte - fui ver o "Cozinheiro o Ladrão sua Esposa e o Amante". Isso fora há uma semana, e naqueles dias muita coisa tinha mudado desde que me meti, a mim, ao Pastor Alemão Preto, de nome Borinhos e a todos os livros do curso e da nova profissão no carro rumo a Lisboa. Estava então nessa circunstância à porta de um Restaurante com as paredes em betão, envernizadas, luz escassa, excepto a que irradiava de uma mesa corrida onde jantava um enorme grupo de chineses. Pela porta entreaberta soava a música do filme de há uma semana. A banda sonora era de Michael Nyman e tornava aquele lugar um sítio pairante, que pairava sobre o Bairro Alto que eu conhecia, que pairava sobre os lugares do Porto onde eu desde o Griffens me esforçava am vão por ter "aquelas noites fantásticas". Entrei no Restaurante mas não me cheguei a aproximar do balão que ficava entre a mesa corrida e a porta. O João Lee levantou-se e explicou que estavam fechados, que aquele era um jantar de família, mas que tínha todo o gosto em convidar-nos para jantar no dia seguinte. Ali.No dia seguiinte fui cobrar o convite e jantei Vaca com Molho de Ostras, na qual fiquei viciado, até precisar de desenjoar por um período, viciando-me então na Galinha com Limão. Seguiram-se os Glory Days do Boss. Com a mesma cadência da música e irreflexão da letra. Era sempre como ir para a feira Popular no dia em que tínha passado de classe. Era como isso, só que agora todas as noites.O Majong era o meu bar e lugar do regresso das noites fantásticas (Pink Panter, São Martinho, uma vez no Sommertime no Algarve, Rock Hause, em Gondarém muitas vezes, uma vez na esplanada do D. Rodrigo em Cascais, Griffens e quase todas as noites da minha primeira discoteca: o ETC. em Coimbra - sim, porque em Coimbra o único bar que existia era cool mas não era ainda o "meu primeiro bar". A partir desse ano de 1991, como escrevi na parede, foram todos estes anos para me tornar quem sou ("muitos anos a virar anjos"). Tornámo-nos quem somos e passámos por muita coisa que fez de nós o que somos. É então que em Junho deste ano o Huigo Garcia (o outro rapaz dos gangs de Nova York que com o Alfie - ver fotografia em baixo, se pode ver atrás do balcão no Majong Partiendo la Pana como no vídeo dos Estopa) me pede para fazer uma surpresa ao João. Ele vai estar fora cinco dias, pensei que podia ficar bem uma intervenção tua numa das paredes do Majong. No mesmo dia comecei. Diária e compulsivamente. Pintando com as canetas que comprava na loja de cima. Ouvindo as listas de músicas que ia seleccionando para o tempo em que estivesse a desenhar e pronto, prontos. Dei por concluído o trabalho a 15 de Junho - conforme consta na parede (ver também fotografia em baixo). Eis que regressa o João. Não diz nada, também não digo. Estou em Sesimbra e o a parte de pesadelo que tem sempre as coisas  quando se dá o clique da compulsão, faz-me sentir um prazer de suspiro quando penso que aquilo já acabou. Mas um dia ele liga e que tal e que está inacabado e que ficava melhor se acabasse e a parte de cima está muito branca e o spray que usei e tal. Foi mais ou menos isso que ele disse. Eu ouvia-o e já sabia que não ia conseguir dizer que não que fizesse o que quisesse. Quando ele acabou só lhe disse: boa, bora lá fazer mais. Do outro lado o João concluía, porreiro, então vou tratar do andaime [até hoje, aqui entre nós ele é um tipo excepcional, mas como se diz com sotaque brasileiro, "é um cara porreta, mas vacila". Volto à parede. Cada dia que passa aquilo adensa-se e eu tenho de me marcar limites, de outra maneira acabarei mais preso àquilo que um cachalote a uma rede (ainda agora mesmo vi um vídeo incrível sobre o salvamento de uma Baleia dessas redes). Finito, mais uma vez fiz inscrever na parede uma nova data de conclusão da obra (no sentido mais material e menos intelectual da coisa). Entretanto a coisa não ficou por ali, nem sequer pelo ali de há dois dias. Vai daí, no Facebook, vejo-me na obrigação de informar que afinal a parede vai continuar. Já não sei quantas vezes mais vou repetir a história do Leonardo da Vinci e da Última Seia que terá demorado a pintar dez anos, o que levou a que o seu mecenas o interpelasse a certa altura, preocupado com o tempo a que aquilo já durava. Leonardo insistia que lhe faltaa ainda pintar o Judas. Conta-se depois - com aquele valor das coisas que mesmo não sendo verdadeiras são bem caçadas - que ele depois, depois de falar com o mecenas, meses depois, terá tropeçado com um corpo à porta de uma Taberna. O homem estava inconsciente de bêbado. Leonardo da Vinci olha-o e pede aos seus acompanhantes (discípulos, amigos, ou corte) que lhe levem o homem para o lugar onde pintava. Pinta-o. O homem lá acorda. Olha em redor e diz: "Eu já estive aqui.". Levanta-se e vai direito à figura de Jesus, apontando-o. Ele tinha servido de modelo dez anos antes para a figura de Jesus. Não vão ser dez anos, mas vai ser mais um túnel, aquele onde de novo vou entrar para acabar a parede. Como acabei de escrever no Facebook a história desta parede é tão chata e desinteressante que se parece àquelas histórias também assim, em que ficávamos à espera de uma bela de uma moral da história para salvar a estupada. Na história desta parede tenho ainda esperança que o seu desniteresse seja compensado por um bel mural (esta parte do texto pod ler-se com aquele gesto feito com o pulgar e o indicador espetados, como se fossem uma pistola, movendo a mão para cima e para baixo, em sinal de relação: a última vez que vi esse gesto foi num programa de televisão em que um entrevistador dos modernos perguntava ao Júlio Izidro se o tamanho do nariz tinha relação com ..., está a ver, e fazia muitas vezes o gesto ante a estupefacção de um Senhor da Televisão como é o Júlio Izidro, que aliás é um poucochinho responsável por me continuar a levar a sério nisto dos desenhos, porque me levou ao seu programa quase no início desta, pode-ser-que-sim-ainda-não-sei-bem, loucura.

Reacção de Alfie ao saber de mais um regress meu à parede

1 comentário:

Marta disse...

...gostei da história do muro... com o Porto pelo meio :)