Reviver o passado em Brideshead foi uma das poucas séries que me fazia ir para casa ver televisão. Estudava em Coimbra e tinha então a melhor casa que me lembro ter tido e que era só um quarto, um quarto em que quase tudo era improvisado com a dose de aventura de estar por minha conta e poder fazer daquele quarto o meu reino do que quiser. Comprei uma caneca enorme para beber o chocolate quente, nunca tinha visto uma caneca tão grande, nela iria caber todo o chocolate que eu quisesse beber, enquanto via a minha série preferida, deitado na cama, ainda no modo sofá, com as almofadas amontoadas no canto oposto ao da mesa de cabeceira onde estava a televisão a preto e branco, mínima, com bateria para as falhas de corrente. Era um dos momentos da semana. A minha caneca, no meu quarto, com uma manta que a Tia Zé trouxera para mim da Lousã, com a Lili (uma gata branca) aos pés e o doce e sentido conforto total, à espera de mais um episódio de Reviver o Passado em Brideshead.
Entrei no Facebook há uma semana e estou meio atordoado com a perda do tempo que proporciona. Não o perder tempo, mas o retirar-me do tempo, do presente. Hoje recebi uma das canções da minha infância de alguém que vive na Argentina e de quem não sabia nada há praticamente trinta anos [a canção chama-se tribulaciones e o grupo Sui Generis - ouvir: -> http://www.youtube.com/watch?v=bojxkFq6Fgw ].
Longe de Lisboa e de uma vida com um dia a dia que se divide em meias horas, aqui onde o tempo já só tínha três divisões, manhã, tarde e noite, sinto que isto não está certo, que há qualquer coisa que não está certo em conseguir reviver o passado com esta intensidade e proximidade, ao ponto do meu dia de hoje ter sido só passado, nem manhã, nem tarde, nem noite, só a presença fortíssima desse passado. Vejo depois que há um no Facebook um grupo de "Santini Lovers". Nunca mais consegui gostar de outros gelados, mas isso pensava para mim, como se fosse mania minha. Leio as mensagens dos fãs dos gelados Santini e volto a arrepiar-me com isto. Falam dos sabores dos gelados preferidos: Framboesa, Limão, Morango, Chocolate, Nata ou Caramelo (lembro-me do quadro a giz e dos mesmos sabores lá escritos, da atmosfera de leitaria, carrossel, e frigorifico retro daquele lugar e da figura vagarosa e carinhosa do Sr. Santini). Leio os posts e volto a achar que este passado tem presente a mais para que isto esteja certo . Lembro-me a seguir do jogo que se fazia com o papel dobrado em vários dedais que se enfiavam nos dedos. Perguntavam-nos um número para saber o que nos esperava. - Quantos queres, até seis. - Quero cinco. - Um, dois, três, quatro, cinco. Faziam juntando os indicadores e os anelares alternadamente. - Cinco. Que é que queres: Framboesa, Limão, Morango, Chocolate, Nata ou Caramelo? - Em cada triângulo estava desenhado a caneta de feltro a cor do sabor. - Framboesa!. Levantava-se o triângulo correspondente ao sabor. - Vais crescer . - Eh pá, pera aí, posso pedir outro número. Vá lá, a fingir que não valeu, outra vez.
2 comentários:
Obrigada pela visita ao Ares.
Este post está fantástico. É que realmente não vejo melhor forma de 'Bridesheadsar', do que comendo gelados do Santini. O de chocolate, de preferência.
O filme no cinema já viu? Dizem que não vale a pena.
Obrigado eu por ter vindo. Gostei mesmo muito do que escreveu sobre o serviço e é raro gostar muito e quando gosto muito ainda é mais raro conseguir dizer. O filme não o vou ver, ainda que fosse excepcional, seria sempre inferior ao tempo do outro que quero deixar intacto, se existir um filme sobre o "Amor em Tempos de Cólera", também não vejo e por aí fora.
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