1.12.08

JOHN LE CARRÉ, ARTUR RAMOS; ALVARO CUNHAL

Alvaro Cunhal


Artur Ramos


John Le Carré

Estes homens podem ter sido variações do mesmo desígnio?


Volto a encontrar numa livraria um livro que ainda não li de John Le Carré. Antes estava mais informado sobre quando sairia o próximo. Desde o absoluto fascínio do "Espião Perfeito" que John Le Carré existe para mim como uma espécie de Dostoiévski vivo, em que depois de ler o Jogador, Os Irmãos Karamazov, O Idiota ou as Noites Brancas fosse possível a espera do próximo. Bem sei que da última vez que li as Noites Brancas (pela não sei que enésima vez, ou talvez pela primeira vez, confesso que não sei - o que levaria a outra história que só vem a propósito pelo facto de não a poder contar) senti que o conto era de uma actualidade que tornava mistério o facto do seu autor ter morrido pouco antes da minha avó nascer (em 1881). Porém, este último livro de John Le Carré ("Um Homem Muito Procurado") fala das pessoas com que nos cruzámos na rua há menos tempo do que a memória leva a fazer a sua digestão. Era inevitável que John Le Carré escrevesse sobre os efeitos do 11 de Setembro na vida dos nossos espiões, agora o que intriga é que em 2007 tenha posto na boca de um dos persogens dessa história, um banqueiro, a frase: "no nosso negócio a única coisa que não mente é a aritmética.". O livro começa com outra frase intrigante - ainda mais intrigante quando vem na página imediatamente seguinte à da dedicatória "Para os meus netos, nascidos e por nascer", a frase é: "A regra de ouro é ajudar aqueles que amamos a fugir de nós."
A história dos nossos tempos escrita por alguém que sempre associo - sem que ainda tenha descoberto porquê - a Hugo Pratt, é como ouvir um dos velhos sábios gregos a falar para os seus descípulos, sobre os acontecimentos do seu tempo, tornando-os meros exercícios de reflexão e retirando à história dos factos aquela importância que lhes advém de terem sido os últimos. Continuo a leitura que inicio no princípio deste fim de semana em que o único momento de normalidade é a leitura do livro e a progressão absorvente da história. A mesma história que reencontro no meio da incontinência histórica dos dias que vivo, é uma espécie de agasalho, do agasalho que me falta nestes dias de frio em que o calor não se instala em sítio nenhum. É isso que tem de bom John Le Carré, é igual sempre, mantém-se fiel ao que sempre foi capaz de transmitir quando o começamos a ler, seja no Espião Perfeito, seja na Casa da Rússia, seja no Alfaite do Panamá. No outro dia senti o mesmo na Portugália da Almirante Reis, voltei a sentir o sabor que existia nos bifes que comia há cerca de trinta anos, no tempo em que a minha primeira namorada morava na Passos Manuel e eu, antes dos nossos encontros, saboreava a espera comendo um bife de lombo que no outro dia me devolveu o sabor dessas esperas.
Mas há qualquer coisa de diferente no que leio, propcuro o nome do tradutor (e não é que a tradução esteja mal e quem sou eu para saber se está bem), mas não soa ao mesmo. Depois lembro-me que o meu tradutor preferido de John Le Carré, Artur Ramos (que traduzia a meias com a mulher Helena Ramos) faleceu em 2006. Lembro-me da figura de Artur Ramos, da sua semelhança com John Le Carré e com o seu colega de partido Alvaro Cunhal, estranhas associações de um tempo que está a acabar. Ocorre-me que para além das semelhanças há nos três uma espécie de olhar de desígnio que os torna quase variações da mesma alma. Estranho.

Sem comentários: