13.12.08

UM DIA NO REINO BLOG


Um Bairro Alto

Olho para eles, parecem felizes. Têm uma vida em curso que é como aqueles rios com muita água, daquela que anda mais depressa quando vai em direcção do mar, numa corrente sem cessar determinada até ao mar. Descem o Chiado em direcção à Fnac, eu subo e sinto-me em contra-mão, o passeio escorrega, vou pelo meio da rua.

Agora estou sentado no Frágil onde não venho há muitos anos. Viciei-me aqui na noite, mas também no Griffon's no Porto, na Pink Panter em São Martinho do Porto, na Rock House em Gondarém, no Etc. em Coimbra. Mas foi aqui que tive sempre a melhor satisfação do vício nocturno. Pairar sobre a noite e circular de varinha mágica na mão, um copo de Sotlychnaya com gelo e um quase nada de sumo de limão, puro. A música, o tempo de dançar de olhos fechados e sentir mesmo: "just for one day. I, I will be king. And you, you will be queen" (David Bowie, Heros).

Sento-me numa pequena mesa de ferro e parece que estou numa espécie de reconstituição do que era o Frágil, com orçamento reduzido e luz de museu de cera.

Gosto disto assim.


Estou aqui porque hoje é a festa dos Bloggers e hoje de manhã a Kika ligou-me a dizer que eu tinha nascido com o "cuzinho virado para a lua" (nunca percebi bem a expressão, porque não só não imagino a posição, como não percebo porque é que há de significar sorte. Deve ser mais um dito, incompleto, do Oscar Wild, certamente mal traduzido). E porquê? - Porque o teu Blogo foi nomeado o Blog da semana no Corta Fitas e olha hoje há uma festa de Bloggers no Frágil e deve estar lá o João Vilalobos que foi quem te nomeou. Decido ficar em Lisboa, tenho de lhe agradecer. Vou à "Festa dos Bloggers".

[A festa dos… . "A festa dos qualquer coisa" era um tema recorrente em Coimbra, no Etc. todas as Quintas havia uma. Era a dos farmacêuticos, dos meteorologistas, dos contabilistas, das médicas, dos auxiliares de enfermagem e assistência social. Nas cantinas escreviam numas Cartolinas "Hoje Não Faltes (havia quem caricaturasse o Pato Donald ou o Tio Sam de dedo espetado, desenhados piamente a caneta de feltro, daquelas Molin que a meio já não tinham cor).


Um dia, o Costa do Etc. percebeu que havia um gajo que simulava a organização dessas festas (acho que nem chegava a comprar as canetas de feltro) e aparecia nos sítios a dizer mais ou menos isto: sou representante dos estudantes do curso de veterinária de animais em cativeiro (não, não era o Alvaro Torpe), ou outro qualquer, estamos a pensar fazer uma festinha de curso, o que é que tem para me oferecer se a fizermos aqui? O Costa lá lhe oferecia imediatamente um copo e tratava de acertar a coisa também mais ou menos assim: Oh pá (em Coimbra a variante do oh Dr., era o pá, não havia meio termo no trato social) a "casa" (até da faculdade de direito se dizia a mesma coisa: "nesta casa…") às quintas costuma estar compostinha. Pá, deixa cá ver, a partir de quatrocentos consumos eu posso-vos dar, à comissão organizadora, um "x" por cento do que ultrapassar. E ficava logo ali acertada a coisa. Então próxima Quinta lá estaremos. Na Quinta agendada lá aparecia o mangas. Olá Costa, isto hoje vai encher vais ver. Estamos cá parta isso, oh Dr. (porque o mangas agora vinha acompanhado e o tratamento, havendo mulherio era logo o outro pá, o Oh Dr.). Bom, o mangas bebia à borla e se a noite fosse daquelas em que se ultrapassava os tais não sei quantos consumos, lá recebia a sua parte (visionário o mangas que começou a perceber o poder das Quintas Feiras nas noites dos anos 80 em Coimbra).]

Mas como diz o João Vilalobos lá no Corta Fitas, o mangas ontem não se tinha safado na festa dos Bloggers e ainda tinha de pagar os copos que bebesse.

Sinto-me a variar de papel. Hoje sou um blogger, um blogger distinguido com a nomeação do Blogue da semana no corta fitas. Penso isso e sinto o abraço das costas de metal da cadeira de ferro. Há pensamentos que comovem as coisas em que nos encostamos, só delas pode vir esse arrepio de bem estar que me deu pensar. O meu Blogue é o Blogue da semana no Corta Fitas e eu estou aqui na festa dos Bloggers, sentado numa solidão diferente daquela que conheço, porque esta tem outro personagem. O Blogger. Nisto aparece-me (na ideia, como aqui se diz, vem-me à ideia) o Nuno Lopes na do "queres é aparecer, olha para ti, casaquinho de Bloquista, todo às corzinhas, a armar à esquerda Grounje. Olha para ti! Vais mas é trabalhar. Agora és Blogger, queres ver?!! Olha para mim tão Blogger a adivinhar quem é que escreve o Mel e Cicuta, o Um Amor Proibido). Interrompo aquilo, assim perco a pica toda do momento. Tenho o bloco no bolso. Mas aqui não, não vou desenhar aqui não, nem mostrar, não. Bom só uma vez e mostro o bloco do carrossel (que nunca mais acabo se continuar a ir a muitos destes sítios do "aqui não").

Falo com o Rodrigo Leão e tal como não sei agradecer ao João Vilalobos, também não sei dizer como quero ao Rodrigo que a música dele é excepcional, que um dia, quando vinha da azenha em Vilar de Mouros e passava de manhã pelo palco onde ensaiavam os Madre de Deus tive uma visão certamente da mesma família dos Pastorinhos, actualizada para cartaz dos três pastorinhos, quando se chamavam assim e tinham ícones religiosos nas paredes (Teresa Salgueiro sob as árvores, as vaquinhas ao lado na sua clássica indiferença ao "Na porta, da velha igreja, vai uma grande confusão"). Anda lhe consegui falar na boa onda do grupo no Lisbon Story e do muito que gosto do seu trabalho a solo.

Tenho o carro parado na garagem do Príncipe Real que fecha à uma. Vou buscar o carro mas já volto. No meio jogo uma partida de snooker no Sr. David (que já não está lá há anos, substituído por um tipo que deve ser o melhor genro do mundo, um tipo às direitas que na Rua da Atalaia segura um estabelecimento de jogo, onde facilmente poderia haver confusão e onde nunca há, um lugar onde continuam a conviver todos os que ainda fazem o bairro alto de hoje). Está vazio o Bairro Alto, mas não está morto, "os que lá ficaram" (Xutos, Homem do Leme) parecem agora pequenos núcleos de guerrilha urbana, ficam-lhes bem os grafitis, vêm-se melhor e parecem pertencer ao mesmo camuflado discreto das suas roupas. Dr. António Costa, tem razão, está ,mais fotogénico o Bairro Alto com menos gente e com as portas dos estabelecimentos só com clarões de luz, só o halo, sem ninguém fadistamente encostado à ombreira, sem ninguém sentado nas escadas. Continuo a subir a Rua da Atalaia e volto à festa dos Bloggers. Reentro e já não apanho o mesmo efeito de à pouco, está ainda menos gente.

A rapariga que parecia ser mesmo a que escreve o Mel e Cicuta e que eu só conheço por Lufadinha, diz quem sou e diz que se chama como se chama e não "Lufadinha". Sinto-me idiota e olhado como se para além de idiota estivesse bêbado. Revejo-me nos clássicos bêbados de fim de noite, nesses veteranos que humanizavam o ambiente às vezes agreste dos sítios como o Majong ou aquele bar do Frágil (o que fica no lado oposto à pista). Vou-me embora dali, mas está a tocar os Joy Division e depois outra coisa que não ouço à imenso tempo. Agora posso dançar de olhos fechados e danço, love, love will tear us apart again e lembro-me da frase que disse à pouco porque a tinha deixado como comentário no blog: "A regra de ouro é ajudar aqueles que amamos a fugir de nós." (F. Von Hugel, citado por John Le Carré no seu último livro - ver abaixo). Penso nisso e penso também que não é preciso ser cabrão para cumprir essa regra, que assim é batota, que o que tem de ser é exactamente o posto, só assim a regra tem pinta, daquela pinta que eu gosto que as coisas tenham, um "tchan".

Esqueço, fecho mais os olhos e danço, quando os abro está ainda menos gente e vou-me embora. Na saída esqueço-me do livro Transa Atlântica no bengaleiro do Frágil. Como volto lá no dia 18 (exposição da Filipa Sottomayor) estará lá bem. Aut Not (ou não) - ver acima. Deixo-os felizes. Volto para a rua, são quase duas da manhã, ainda vou ao Xafarix e logo, mais logo volto para o monte onde chego do reino dos Blogs às sete da manhã.


Obrigado João, obrigado Kika, obrigado Laura, obrigado Patti, obrigado Pézinhos na Areia, obrigado Funes, obrigado Alvaro, obrigado Curiosa, obrigado, Pessoaleintransmissivel, obrigado Diotima (por favor não pares a não ser que tenha mesma de ser), obrigado Rodrigo, obrigado Pancha, obrigado Ecléctica, muito obrigado Corta Fitas, por este dia memorável.


4 comentários:

Patti disse...

É partilha e troca, como eu entendo o 'reino blog'.
Com estranhos, que deixam de o ser quando escrevem assim, desta forma verdadeira, plena de memórias de há 30 anos, mas que parecem só de ontem. Porque são mesmo.

E não deixa de ser estranho, verificar a minha enorme satisfação ao ler este texto nocturno, se ela, a noite, sempre me provocou sentimentos dúbios.
Sou definitivamente dia e no entanto, é a rir que leio estas idas e vindas presentes e passadas.
Coisas de opostos, que sempre em atraíram.

Quanto ao dito virado para a lua, não posso ajudar, mas os que nasceram hoje tiveram sorte na escolha da noite, porque ela está linda e cheia.

Andei noutro dia, mas cheio de sol a fotografar os graffitis do bairro alto e nem todos são bonitos com a verdade da luz do dia, eu preferia as bic's laranja, concordo com a escolha da semana do corta-fitas, vou tentar desfolhar hoje, o último do seu Dostoiévski vivo, nalguma livraria, obrigada eu, Tiago e aí na solidão do seu monte, que invejo, também continua o reino dos blogs, acredite.

João Villalobos disse...

Obrigado eu pelos textos e as caravelas :)

João Villalobos disse...

O tanto que eu curtia tanto o Etc. Ficava sempre até ouvir o Caetano a cantar It´s a long way...

Tiago Taron disse...

Eu só não gosto tardes, ou daquela parte da tarde que é mesmo para dormir a sesta, noite e manhã, manhã de alvorada mesmo, esse é o meu tempo. Quanto ao livro, estou a terminá-lo e confesso que é um pouco decepcionante para quem gostou muito como eu gostei do "Espião Perfeito". Ainda assim tem momentos bons e sobretudo tem o que eu mais gosto na ficção, personagens que passam a existir. Sobre os grafitis deixo-lhe uma história dos meus tempos de advogado em grande escritório. No final da semana fázíamos umas reuniões em que se discutia qual seria o trabalho pro bono do mês, o que é que o escritório iria oferecer à comunidade. Um dos Colegas sugere que o escritório se envolva na questão "anti-grafiti" e possa ajudar as pessoas a litigar contra o que adjectivou como praga. Lembro-me de na altura lhe ter dito que havia um aspecto positivo nos grafitis. Qual? Perguntou, preparando-se para uma discussão que eu não iria ter de certeza (a de saber se é arte ou não). - Têm a vantagem de assinalar o território do perigo, os lugares onde tu e os teus filhos não vão querer frequentar. São sinais da nova selva urbana. Pessoalmente gosto muito de muitos grafitis do Bairro alto. Pessoalmente tive pena quando apagaram da parede junto à cinemateca o grafiti: "Sem verdade és um perdedor.", Gosto também da história de um dos edifícios desenhados pelo Siza na Alemanha, que ficou para sempre conhecido por "Bonjour tristesse" por causa de um grafiti que lá escreveram na altura da inauguração.