Era um Peugeut branco, daqueles que praticamente só se viam em Taxis, ou nos filmes policiais franceses. Também os havia da nossa polícia, mas desapareceram, como tantas outras coisas que desaparecem sem que se dê por isso. [Quando terei eu visto o último carro polícia Peugeut, azul e branco, a dizer Polícia, com a sirene mínima no teladilho? Imagino um desses Peugeuts que tinham duas orelhas empinadas nos farolins de trás a entrar agora no Bairro Alto percorrendo a Rua da Atalaia devagar. Tinha tudo a ver, a questão é que a estética não dá autoridade e a autoridade dos 70's tinha de facto outra estética, ou - melhor - tinha estética (era contida, seca, triste, cinzenta e sem show-off, mas tinha um estilo que ia dos tribunais, aos guichets de madeira, das fardas de flanela dos guardas nocturnos ao comando das placas nas passagens de nível "Pare, Escute e Olhe")].
Dentro do Peugeut vinha um homem com uma camisa branca. Conduzia com o vidro aberto e o braço esquerdo pousado sobre a porta abaulada. Dentro do carro parecia que fazia ainda mais luz que onde eu estava. As sombras das árvores deslizavam sobre o branco do automóvel que lentamente progredia até à rua dos cafés. Devia ser Agosto, eu teria onze anos: Um dia, quando for grande vou viver assim. A imagem de alguém a chegar a um sítio, lentamente, a exibir a chegada , uma camisa branca, luz e o tempo todo antes do tempo daquele lugar começar. Ainda hoje a palavra liberdade vem associada a essa imagem, a meio da tarde, em São Martinho do Porto, no mês de Agosto do ano de 1976.
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