28.7.09

Rainmaker e Manda Chuva

imagem retirada de aqui.



Os pensamentos, completamente despropositados, que um tipo tem quando está numa dessas auto-estradas vazias de que fala o Miguel Sousa Tavares à sua amiga estrangeira quando regressa de mais um estafado fim-de-semana no Alentejo.

Os pensamentos, completamente despropositados que um tipo tem, entre a última chamada que se fez e a próxima que se fará se o telefone não tocar dentro de quinze minutos (ou antes de chegar a próxima placa com um "0" no número. Eu cá tenho essas manias semi numéricas. Têm pouco de matemático e bastante de superstição.



Acredito que dá sorte brincar com a cadência dos números das placas azuis que assinalam naqueles desertos a passagem do tempo murrinhento e cheio de sono até ao avistar do avatar do oásis que constitui a placa resgatadora do adormecimento garantido e que diz que a próxima estação de serviço, se falharmos aquela que vai aparecer, é a quarenta e tal quilos de metros. A quatro vezes o tempo que demoram a aparecer os zeros nas placas azuis, os tais zeros que me autorizam a fazer mais uma chamada se entretanto o telefone não tocar. Já as capicuas autorizam-me a fumar mais um cigarro.

Os números terminados em 13, permitem-me acelerar até sair do território de mau Karma daquele número. Nunca se sabe e que las hay, las hay, diria eu à amiga estrangeira do Miguel Sousa Tavares, se estivesse comigo na Auto-Estrada e se uma das cerejas das palavras da conversa tivesse esse tema inscrito no seu caroço: o tema "da função dos números das placas azuis nas Auto-Estradas desertas do cavaquismo Português na luta contra o adormecimento ao volante." Talvez acrescentasse: bem sei que a superstição que associa ao 13 uma espécie licença para andar mais depressa, para que mais depressa acabe a exposição ao possível azar ligado a esse número, tem de ser corrigida quando regressamos a Lisboa - ou a qualquer outra cidade grande, porque se contam os Km sempre a partir delas, na verdade, quando o sentido de viagem implica a decrescência dos números, ao passarmos a placa do Km 13, ou qualquer número terminado em 13, a exposição ao eventual sortilégio azarento já terminou, já que passada essa placa estamos no Km 12 ou qualquer coisa 12. Por essa razão, quando regresso a Lisboa, como agora, a licença para acelerar é dada pelo Km 14, umbral de entrada no território do 13, efeito da minha semi-superstição, semi e semita (ou não fosse a maior filosofia numérica, a cabala, judaica de origem judaica). By the way, diria eu à amiga estrangeira de Miguel Sousa Tavares, enquanto arriscaria uma explicação para o deserto da A6, una de las belas auto pistas de Europa, hecha para los A6, los coches de Audi. Por falar em origem judaica da cabala,
uma das razões para este deserto pode, terá sido certamente, a expulsão dos judeus de Portugal por D. Manuel I, privando-nos do dinheiro para ter os carros à altura destas estradas, olha, como o A6 de que te falava. Bem sei também que nesta altura a amiga estrangeira de Miguel Sousa Tavares já se teria mesmo decidido a fugir na próxima estação de serviço onde parássemos e meter-se no primeiro carro que lhe aparecesse, mesmo que fosse um Seat Ibiza preto ou vermelho e mesmo que fosse um Seat Ibiza preto ou vermelho daqueles comerciais que só têm dois lugares e uma divisória para aquela zona de trás que não serve para nada pelo que não se percebe o que está lá a fazer aquilo.

Como na verdade seguia sozinho por aquele caminho e sem a companhia da amiga Espanhola do Miguel Sousa Tavares, dei comigo a pensar em coisas ainda mais esquisitas do que aquelas em que pensou o Miguel Sousa Tavares quando falava com a amiga dele sobre o deserto da Auto-Estrada (e era certamente a A8) e a enorme fila de carros que se via dessa Auto-Estrada na estrada Nacional. Cheia de camiões, daqueles que nem sequer têm ar condicionado, quanto mais uma companhia de uma amiga Espanhola e que estão para ali a buzinar uns contra os outros para não pagar portagem (esta era a conversa que eu gostava de ter tido se a amiga Espanhola do Miguel Sousa Tavares estivesse ali comigo, até para que ela percebesse que há mais Portugueses que andam naquela Auto-Estrada e que têm pensamentos completamente despropositados). Já agora, essa estrada de que fala o Miguel Sousa Tavares, quando nos conta a conversa que teve com a sua amiga, só pode ser a Nacional 18 que liga Estremoz a Évora e que, na verdade, não tem filas ou bichas a menos que estivessem a passar na altura em que o Ti Jaquim a atravessa o ultimamente, não existindo ainda placa apropriada para esse risco rodoviário, mas entendendo a grande generalidade dos condutores que deve ser dada prioridade à passagem do ordeiro rebanho, ainda que na maior parte dos casos o façam pela constatação de que atropelar os animais estraga as carroçarias e a parte debaixo do rodado e não por consideração da saúde dos animais).

O meu pensamento durante vários Km em que não precisei de jogar com as placas, tendo muitas passado sem que lhes visse sequer os números, foi o da enorme diferença que existe no significado das expressões rainmaker e manda-chuva. Rainmaker é uma das expressões que eu gostava de ler numa biografia de alguém. Num comentário sobre um Português qualquer no mundo. Sobre o Mourinho quando chegou ao Chelsea. Acredito que a expressão tenha sido usada num dos pubs da pacata Chelsea. Chelsea das raparigas que nos anos 80 usavam camisas de homem azul Oxford com colares de pérolas nos decotes largos. Algumas davam um nó nas pontas das fraldas das camisas, um nó que eu interpretava como um sortilégio de bruxas: vestiam a camisa do namorado de casa de quem tinham saído, roubando-lhe a camisa que tinha de ser azul Oxford e muito sérias davam um nó pedindo o mesmo desejo que se pede quando se ata ao pulso as fitinhas do Senhor do Bonfim. Essa era a parte secreta, a do significado do nó, a pública era o troféu camisa do namorado de chelsea.

Rainmaker como adjectivo de alguém é fantástico, é daqueles cumprimentos com aura, daqueles que poupam longos elogios e que dito num discurso de apresentação sobre o próximo presidente da empresa concilia por instantes todos os recursos humanos. "E agora deixo-vos com aquele que dipensa apresentações para além do seu cognome, Anthony Smith, The Rainmaker.". Repito a frase para o caso do anunciado novo presidente ser Português e a empresa em Portugal: "… António Silva, o manda-chuva".

Esforço-me muito por encontrar uma expressão mais adequada que a da tradução literal. No meio do esforço ainda dedico alguns segundos à questão de saber porque será que a tradução literal tem um significado quase oposto. Onde em "rainmaker" há magia, qualidades quase místicas, a poesia das utopias, o nevoeiro dos salvadores, um homem a contar discretamente as suas histórias no final de um jantar no Simpson's in the strade, em manda-chuva, há chatice, arrogância, ignorância, fatos mal cortados, muito futebol, tremoço e imperiais na mesa do Ramiro com as corcundas dos aduladores cada vez mais corcundas, alguns deles, já com o sono do tédio e com um olho no cigano e outro no visor do telemóvel, em silêncio, a ver quando é que a mulher lhes liga a perguntar onde andam. Estou querida, estou aqui com O Manda-Chuva, é só mais umas, sabes como é, tem de ser, é só mais uma e invento qualquer coisa. Vá, sabes como é, é só hoje.

Continuo à procura da expressão mais próxima de rainmaker. Ocorre-me um perfeito disparate, a mais próxima que me ocorre é aquela que as avós dizem dos netos insuportáveis, dizem elas que enchem uma casa de alegria, ou que são um raio de luz numa casa. Os miúdos, que agora se chamam doentes hiperactivos ou indigo, continuam a marcha tsunâmica de destruição e gritos. Não serve.

Tento a tradução ainda mais literal: fazedor de chuva. Para além de não existir, o significado imediato, aquele que teria se existisse, era demasiado anacrónico, quase artesanal, senão mesmo medieval chato. Do tempo em que havia Inquiridores, Fazedores, Amoladores. O tempo dos ofícios, com as suas forjas e oficinas soturnas.

Tento mago, mas também não dá. No exemplo de há pouco, o da apresentação do novo CEO, provocaria um riso que alguns não conseguiriam certamente conter, ante a associação dos dotes de prestidigitação, de fazer desaparecer as coisas, aos últimos escândalos madofianos. "O mago".

Desisto de encontrar uma expressão equivalente. Volto à evidência da diferença de significado daquela que é a óbvia traduação de rainmaker. Penso no parlamento inglês e nas inumeráveis histórias de Sir Winston Churchill, aquela "do amanhã estarei sóbrio e a senhora continuará feia", penso no parlamento Português e na formidável fotografia de Manuel Pinho com cara de duende e dois dedinhos meio curvos encostados em riste às fontes. Será uma questão de humor, de capacidade de humor? Mas rainmaker é de outra ordem como expressão, é mais poética, mais cinematográfica que cómica e "manda-chuva" é revisteira, legenda de cartoon a preto e branco sensaborão, do mesmo autor do "queres fiado, toma". Beirã. Mudo a pesquisa para o alentejo, eles devem ter uma expressão que se assemelhe, eu é que não as conheço todas, ou melhor, conheço muito poucas, mas a existir expressão em português ela só pode ser alentejana, ainda não procurei, mas aposto que há um nome de família "fazchuva". De repente o "fazchuva" dito por um alentejano sobre o outro, sobre o novo presidente da cooperativa, é o mais aproximado que encontro a "rainmaker". Deixo-vos com o "fazchuva". "Oh mulher não te atazanes, tamos aqui na adega mais o Fazchuva. Vai dando despacho às migas que ainda aqui fico de serão."


Chego à portagem, acabou a dissociação da auto-estrada mais bonita da Europa e eu agora estou como os outros de há pouco, numa fila, sem assunto, sem mais pensamentos, chateado como um peru nas portas de Lisboa. Espera aí! Aposto que os Ingleses não têm equivalente a "chateado como um peru"!!!. Bom, pouco importa. Por onde é que se apanha o Eixo Norte Sul. Eixo Norte Sul? Ele há cada nome.

1 comentário:

Marta disse...

Aos carros só sei as cores e pouco mais. Ainda não li o livro do Miguel Sousa Tavares. Aliás, o último foi o Não te deixarei Morrer...o número 13 dá-me sorte, mas do que mais gostei foi da cadência do seu texto, e dos pensamentos soltos como botões e do "como um peru às portas de Lisboa" :)