6.10.09

Resposta a D. Funes

"Funes El Memorioso" (que se chama "A Questão dos Universais", ver aqui) é para mim o melhor Blog dos que diariamente leio. Por causa de quem o escreve (que em absoluto desconheço) e muito também por causa de quem o comenta. Hoje recebi um comentário do seu autor à última coisa que aqui publiquei (ver aqui o comentário). A resposta que preparei não cabia na caixa dos comentários e, por isso, vem para aqui:

D. Funes:

Eu não sabia, mas a minha ignorância é imensa, como muito grande o gozo de a ir constatando.
O livro ontem lançado pela Fundação Mário Soares sobre a participação da Maçonaria na Implantação da República chega a parecer ingénuo porque acaba por revelar o que antes era pacífico por opiniões e agora parece tornar-se público por documentos.

Como nele se escreveu, citando Mário Machado Santos (in A Revolução Portuguesa 1907-1910): "A obra da Revolução Portuguesa também à Maçonaria se deve, única e exclusivamente.".

O livro acaba por não só confirmar isso, como por revelar o que tendo nascido para permanecer secreto, acaba por dizer mais do que aquilo nasceu para ser conhecido.

Refiro-me às cartas enviadas pelas lojas ligadas à Grande Loja do Oriente Lusitano Unido, em resposta ao deliberado na reunião de Junho de 1910, onde terá sido decidida a constituição de uma tal Comissão de Resistência que parece ter estado na origem dos acontecimentos de 4 e 5 de Outubro do mesmo ano.

Uma das cartas publicadas (a única que no livro contrasta com o uníssono da aceitação do então deliberado) vale a pena ser transcrita, ainda que abusando deste lugar (em vez de colocar esta resposta na resposta ao seu comentário, que agradeço, o que não é possível porque excede o número de 4 mil e não sei quantos caracteres de limite máximo):

"A RESPEITÁVEL LOJA ESTRELLA D'ALVA:

Caros e Respeitáveis Irmãos,

Esta Respeitável Loja reuniu extraordinariamente para apreciar as pranchas (circulares nºs 12 e 19) de 20 e 30 de Junho, e começando por apreciar a forma fácil e leviana como as mesmas pranchas lhe foram dirigidas, attentos o segredo e a gravidade do assumpto a que ellas se referem, pois não só errou o nome do nosso Venerável Mestre Interino João Rodrigues Paula, como outras vezes tem succedido, chamando-lhe José e não João, mas também por terem vindo em envelopes quasi que descolados de forma a poderem ser abertos por qualquer curioso, ou por qualquer inimigo da Ordem como muitos existentes na Repartição dos Correios e Telegrafos.

Entende esta Respeitável Loja que assumptos d'esta natureza deviam ser tratados pessoalmente por delegados do Grande Oriente Lusitano Unido e nunca por escripto e pela forma como estão sendo. Depois de larga discussão, apreciando-se com toda a serenidade a doutrina das mesmas pranchas esta Respeitável Loja votou e approvou, para vos ser enviada a seguinte:

Moção

A Respeitável Loja Estrela d'Alva do valle de Coimbra, reunida extraordinariamente para apreciar as pranchas emanadas do Grande Oriente Lusitano Unido afim de estabelecer guerra aberta contra as eis e excepção, e contra os inimigos da liberdade que tanto teem perseguido aqueles que pretende defender as causas justas perante a sociedade;

Considerando que o período de maior efervescencia de perseguição se assignalou quando no Governo o partido progressista aliado à reacção clerical;

Considerando que com a subida ao Poder do novo Governo essas violencias cessaram e por enquanto não ha vestigios de novas perseguições, havendo até esperanças que se adoptem medidas liberaes tendentes a fazer entrar na ordem o elemento reaccionario;

Considerando que a Maçonaria tem por dever auxiliar o Governo nas suas intenções de reformaras leis de excepção, como já anunciou, e nunca contrariar este plano o que seria anti maçonico e liberal;

Considerando que a Maçonaria pela sua lei, deixa livre aos seus adeptos qualquer opinião política, e assim tem admitido no seu seio Irmãos de todos os partidos e muitos empregados públicos, que apesar de não serem republicanos, são liberais sinceros e desapaixonados, e que desejam a paz e o bem-estar da sua Pátria e Família;

Considerando que das pranchas em questão se vê visivelmente pretender-se desviar a questão religiosa para a questão política o que é contrário às leis em vigor;
Considerando finalmente que esta Respeitável Loja tem ausente o seu Venerável Irmão Capitão Cruz; o seu secretário Raúl Vieira, que teve de se retirar para Lisboa, e muitos outros Obreiros do seu quadro que já estão no gozo de férias;

A mesma Respeitável Loja com o devido respeito resolve não tomar interferencia directa ou indirecta no citado e pretendido movimento a que se referem as aludidas pranchas afirmando contudo a sua solidariedade maçonica quando para isso haja necessidade.

Traçado em lugar oculto aos profanos aos 12 de Julho de 1910 (era vulgar)

O Venerável Mestre Interino
João Rodrigues de Paula grau 29
"

Dou-me ao trabalho de transcrever aquela carta pelo que parece confirmar que mesmo em 1910 não seria pacífico que entre a própria Maçonaria fosse essencial aos seus princípios a instauração da República.

Quanto à não punição dos seus agentes e ao desinteresse de todos nessa tarefa, julgo que haverá que distinguir entre o pós Fevereiro de 1908 e o pós Outubro de 1910.

É certo que o processo desapareceu, como é certo que neste momento não se trata de punir mas e reconstituir uma história.

O que o livro em questão parece trazer de novo é a circunstância de Aquilino ter testemunhado em 28 de Janeiro de 1910 o testamento/confissão de Manuel Buiça, três dias antes do regicídio. Poderá no entanto ser um lapso e haver confusão entre o apadrinhamento efectivamente feito pelo Aquilino do filho mais velho do mesmo Buiça e o "apadrinhamento" daquela carta suicida (que poderá não ter acontecido, ao contrário do que lá está escrito.

UF, Fim.

1 comentário:

António Conceição disse...

Bem, o que eu aqui posso constatar é que se alguém está a aprender alguma coisa sobre este assunto e a colmatar lacunas na sua infinita ignorância sou eu. Por isso, muito obrigado.
Quanto ao testemunho de Aquilino no testamento, não me parece nada lapso. Deve ter sido mesmo assim e o próprio Aquilino, tanto quanto julgo saber, nunca negou o seu conhecimento prévio dos actos regicidas de Buiça, embora, porventura, lhe escapassem os exactos pormenores.
Relativamente ao Dom com que me qualifica, não vale a pena, eu sou republicano e o mais plebeu que existe. Até sangue judeu deve correr nas minhas veias, veja lá.
Quanto à história do melhor blogue que lê diariamente, julgo poder interpretar isso como um elogio. Mas, como costumo dizer, Tiago Taron só diz que é o melhor blogue de todos, porque é verdade :-)