2.11.09

ANTÓNIO SÉRGIO e DON’T WALK AWAY IN SILENCE

Atmosphere, ouvida hoje aqui:

A mesma música voltou várias vezes ao longo dos anos desde que a ouvi pela primeira vez.

A primeira vez que se ouve uma música nunca é a primeira vez.

Esta só a ouvi pela primeira vez quando a senti totalmente minha

No mesmo tempo em que sentia totalmente meus alguns parágrafos do Livro do Desassossego ou de Baulelaire, nos mesmos fins de tarde que eu sentia totalmente meus e desabitados de quem eu tanto queria que existisse para os repartir comigo.

Don't walk away in silence, era ouvido enquanto caminhava com um sobretudo que era o primeiro que tinha comprado, justificado pelo frio que fazia muito mais em Coimbra que em Cascais, pretexto de um miúdo que com 19 anos dizia à sua namorada: mas eu sou um miúdo não vou comprar um sobretudo. E comprei e com ele senti-me a caminhar sozinho e a contrariar com uma forçada rebeldia o conselho que sabia profético para tudo o que viria a seguir: DON'T WALK AWAY IN SILENCE.

A voz de António Sérgio tinha tudo a ver com essas coisas que julgava só minhas e era a única voz que não interrompia as canções que tinham aquela tonalidade dos anos 80 e dos jardins de Coimbra e dos fins de tarde de Inverno do pontão de Cascais. A voz vinha do mesmo lugar.

Deixei de habitar esse lugar de onde vinha essa voz. Estou convencido que o abandono desse lugar se ficou a dever à lei da sobrevivência na sua expressão mais pura. Nesses anos em que habitava a intensidade da canção dos Joy Division, continuada pela voz de António Sérgio, ambas revelando que aquilo era mais do que um ambiente, ou inspiração, era uma forma de vida a que os outros (como eu) chamavam estado de espírito, um estado de espírito em que se pode viver nos nossos 18, 19 ou parte dos 20 anos, mas que depois não se aguenta e depressa cede ao "não estado de espírito" que rapidamente se torna condição de viabilidade, de funcionabilidade nas tarefas que progressivamente vamos tendo para desempenhar.

Nunca conheci o António Sérgio mas sinto que era dos últimos guardiões desse estado-de-espírito que não consegui aguentar mais do que o tempo do fim da adolescência. A cada vez que o ouvia, o timbre da sua voz era o suficiente para eu perceber a distância a que entretanto estava do tempo em que eu sentira que sentia de verdade.

Hoje ouço a música dos Joy Division, postada pelo Diogo Leote no "é tudo gente morta" e é um enorme tributo. Ouça-a outra vez e dou por mim a pensar que quem foi embora em silêncio fui eu, em silêncio, há muito tempo, sem conseguir continuar o lado sombrio e rebelde daqueles anos, sem o ter explorado até ao último resto de estilo desse cepticismo blazzé, desencantado e profundamente elegante. Penso nisto, releio a frase do Diogo sobre as vezes que encontrou António Sérgio a almoçar sozinho num Restaurante, "com o seu estilo inconfundível entre o rocker e o cow-boy" e parece-me evidente que viveu muito mais do que eu que há muito me fui embora em silêncio.

Obrigado Diogo pela lembrança do Rools Rock, obrigado pela revelação desta música hoje, que se pode ouvir aqui, no caso de alguém querer tentar compreender poque só hoje, com ela e com a morte de António Sérgio, eu entendi estes últimos versos da canção:

People like you find it easy,
Naked to see,
Walking on air.
Hunting by the rivers,
Through the streets,
Every corner abandoned too soon,
Set down with due care.
Don't walk away in silence,
Don't walk away.

Sem comentários: