O meu filho mais novo, Santiago, fez há pouco seis anos. Desde metade dos seus cinco anos que me levara a prometer-lhe um Magalhães. Quando nos aproximámos da data do seu aniversário procurei convencê-lo a escolher outro computador dos pequenos que se perfilam ao lado do "patinho feio". O Magalhães nas prateleiras da FNAC parece um misto de produto do leste dos anos 70 entre os gadgets ocidentais e um coisa feita por uma coopetariva venezuelana pró marca branca entre as elegantes construções do mundo pós-capitalista, pós-pós-neo-liberal, e das outras poeiras ideológicas, pós.
Não o convenci e a mãe relembrou-me a importância das promessas e eu lá fui, lá encontrei a segunda edição do mono e lá vi o meu filho começar a tratar dele como eu tratei o meu urso de peluche que também tinha um nome que não era de família (Magalhães). De resto o início do afecto entre aquela criança e a coisa, foi idêntico, à excepção da parte da cama, porque aí não o deixei dormir com o portátil, mesmo se fechado, mesmo se a parte azul de napa pode servir de almofada (também não lhe deixei dar de beber e comer com uma colher ou bibron).
Foi assim a chegada do Magalhães a casa. Continuava - observei - a sua condição marginal e junto dos outros computadores residentes, junto do portátil dos irmãos mais velhos, aninhava-se na amizade do seu dono, formando os dois uma ilha insólita, do mesmo insólito que ficava o seu pequeno dono a escrever no teclado sem ainda saber ler ou garatujar as primeiras letras (não obstante a excelência da escola).
As primeiras utilizações do dono do Magalhães foram "gatos giros", "jogos do Pinguim", "Coalas patuscos", "jogos com fantoches" e "jogos com pessoas verdadeiras". Há muito que ele já sabia abrir a internet, encontrar o Google e pedir-nos que escrevessemos o que pretendia encontrar. Uma vez escrito mandáva-nos embora com um "agora podes ir que eu já sei" (e lá ficava durante o período de tempo consentido).
A partir do momento em que passou a ter o seu Magalhães o mesmo passou a ser só dele e teria de ser ele a escrever o que procurava. Arranjou então um caderninho onde nos pede para escrevermos o que nos dita com as letras iguais às que estão no teclado do seu novo amigo, depois, com o bloco em punho, senta-se na sua secretária minúscula e lá vai ele procuraro que pediu, o que pediu não, porque a parte dos "jogos com pessoas" não teria piada para ele, assim tentei explicar, como não consegui negociei que começasse por experimentar as outras coisas, abstendo-me de escrever essa parte do pedido no caderninho.
Hoje ele foi para casa da avó e eu não resisti a experimentar o amigo Magalhães, de onde escrevo neste momento. Bem sei que não devia e que há essa coisa da privacidade e da possibilidade disto ser até considerado violência doméstica ou qualquer crime dos novos crimes informátcos. Bem sei. Mas sei também que o Santiago não se vai importar, ou vai-se importar dizendo com o sorriso que é só dele e conquista quem ainda não é dele: "onde é que já se viu um pai a trabalhar no Magalhães do filho!".
Bom, isto tudo para dizer que estou positivamente encantado com isto. Nunca tive um computador que fosse tão rápido no ligar e desligar. É sólido, só traz o que faz falta, tem mesmo o office em versão de experiência por 60 dias e o leve Windows 7. Feito para durar, para resistir, tem essa condição de nascença inscrita nas teclas, no écran, no redondo das formas. Terá sido assim que o Vokswagen carocha nasceu e sobrevivu até hoje. O patinho feito revela-se e se não o faz de propósito parece que dá tudo para fazer deste momento em que o uso à má-fila, uma primeira oportunidade para me convencer de que é o futuro, o futuro do anti-gadget, o futuro do emagrecimento das multiplas funções e esquisitices desnecessárias das coisas. O futuro é o Santiago a escrever sem saber ainda, no seu Magalhães, naquela secretária pequena onde agora o vou voltar a arrumar.
4 comentários:
Gostei muito de ler este seu/teu encanto com o Magalhães, sobretudo quando normalmente se lê o contrário. A minha experiência com um, há cerca de 1 ano, diz-me que, daqui a algum tempo, o Santiago e o Tiago já não estarão assim tão entusiasmados. Mas percebo perfeitamente o vosso sentimento. Também eu o vi na cara da minha filha.
Esta noite em casa de uns amigos, pegava no Magalhães da filha, de quase seis anos, e pensava neste post. Pelo que o pai diz que custou, há muitos net-books mais baratos do que o Magalhães que o diabinho atirava para cima do sofá dizendo que estava todo ‘desconfigurado’. Valerá mesmo a pena pela resistência aos maus tratos? (não estou nada poética hoje..)
ps - uma casa em Beirute é realmente bom, ímpar. E não se preocupe q a inspiração não acaba enquanto a vida correr, saibamos senti-la.
Analima: aida bem que gostou, sobretudo quando pensa o contrário (como eu pensava), by the way,. será sintomático que lhe esteja a responder do pp do magalhães e que este se tenha tornado numa espécie da casa?
Paula: Sabia que ia gostar daquela página e quase sabia também que o iria dizer. Quanto ao Magalhães é um objecto que antecipa qualquer coisa do futuro e daí os meus sentimentos contraditórios. A ver vamos.
Tiago, já são muitos saberes (brincando, entenda), mas, esqueci-me de dizer e depois não me apeteceu voltar atrás, gostei ainda mais desta: http://www.texto-al.blogspot.com/
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