17.3.10

A promessa



(outra vez à espera, agora do jantar, ele repete a pergunta dela "o que é que eu te posso prometer", não os vejo, estão ao meu lado e não quero ouvir a resposta, abro o livro e com a caneta recuperada, reencontrada no meio das mudanças, inverto o aparo que era o truque daquela caneta, subitamente afeiçoada outra vez à estupenda caligrafia que faz e continuo o diálogo)




O que é que eu te posso prometer?


Que serei Príncipe até ao fim


Até ao último dente


Aprenderei a falar bonito sem eles


A delicadamente coxear para ti


Altivamente, desdentado e coxo


Serei o príncipe que te prometi




(eles agora não falam, presumo que tenham dito tudo com o que acabei de escrever, chegam as ovas fritas com arroz de coentros, várias delas sabem a peixe, ao peixe que haveriam de ser mas que não é suposto serem já, o diálogo anterior, o sabor inesperado faz-me recordar uma das figuras recorrentes nos meus pesadelos, o louco do filme "A Filha de Ryan", desdentado e coxo, empunhando uma lagosta viva, com que assustava quem passava nas ruas estreitas daquela aldeia Irlandesa).

2 comentários:

analima disse...

Vale sempre a pena estar atento ao que se passa à nossa volta :) Dois magníficos textos, Tiago.

Margarida Azevedo disse...

Excelente!!! Tens mesmo vários dons! Parabéns!