30.8.13

Rentes de Carvalho


Durante o desenho da pequena planta de Cerveira o Fernando, que olha com um olhar interrompido, desviado do que o concentrava, olhar de frente mas com um quase imperceptível pré-movimento de regresso ao burro, ou ao cigano, um olhar em alerta, em constante reconhecimento, diz, apontando para os barcos pretos: - O Rentes de Carvalho fala disso.

Os carochos são os barcos pretos daquela parte do Rio Minho, estão no desenho e no bloco que fiz para o preparar. Apareceram nas palavras imediatas e nas linhas que também imediatamente os revelavam a toda a hora (“os barcos do rio Minho são todos pretos de dia todos iguais e à noite só se ouvem.” / desenho-os como as pétalas negras de um malmequer de rio, tão inexistente como a vocação carnívora das suas labaças).

Acabámos de nos conhecer e cumpro ainda a disciplina de não fazer muitas perguntas, desde logo a que me apetecia sobre o que diz o “Rentes de Carvalho”.

Li o seu nome pela primeira vez escrito pela Mônica Marques, e – talvez por isso – julgava-o dos novos escritores como o José Luiz Peixoto, o Tiago Torres da Silva, Gonçalo M. Tavares. Escritores cuja leitura estupidamente adio, a excepção dos dois livros da Mônica.

Pouco tempo depois, quando almoçamos na cantina da Bienal, junto à “casa do dinamarquês”, a casa vermelha que visitei pela primeira vez há dois anos, durante a última Bienal. Falo da história da casa e do seu enigmático proprietário.

- "O Rentes também fala disso, então é esta a casa", diz o Fernando.

Pergunto-lhe onde é que fala disso, em que livro. Responde-me que fala disso em “La Coca”, um livro que se passará em Gondarém. Fico arrepiado, instantaneamente arrepiado. Houve alguém que já escreveu uma história que se passa em Gondarém e que fala da casa vermelha e dos carochos (nome dos barcos pretos) e até do casamento "de estadão" na casa dos Almeida Braga (hoje Estalagem da Boega).

Conta-me a história abreviada desse escritor, que não é da geração onde o situava, que tem o maior sucesso na Holanda, onde vive depois de ter vivido em tantos outros países. Conta a história da Rainha da Holanda, num jantar anual que dá aos que condecorou, tê-lo apresentado ao então Presidente Jorge Sampaio, durante uma vista deste àquele país. Chego a casa e vou à procura e encontro um blog de que já tinha ouvido o nome (“Tempo Contado”), como o nome do dono da barca (e até a expressão “dono da barca” já a tinha ouvido).

O único livro que li que se passava por aqui perto foi a Tore de Barbela e o Mundo à Minha Procura (Ruben A.). Vem-me a mania que não consigo controlar de sentir a solenidade da chegada de um tempo importante, daqueles que constam das biografias como os antigos marcos da estrada do Minho, os mais redondos e que só se conseguiam ler nos carros contemporâneos ao seu aparecimento, com os números dos Km que faltavam para as povoações mais próximas. Descobrirei em breve porque é que senti que a visita do Fernando à Bienal me saiu ao caminho como um desses marcos. Descobrirei os Km que me faltam a partir de aqui e onde é que eles me levarão. Para já leio com emoção cada artigo desse blog, por causa do qual voltarei a escrever o que aqui já escrevi sobre o Minho da “minha” Gondarém.

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