Guillhermo Iriarte
Shaun Tan
Estava no meio de um desenho, nem sequer cenário, mas desenho dos bons, como de Shaun Tan - que são os que estão reproduzidos.
Fui visitar um amigo, daqueles que vejo pouco e que gosto muito, chama-se Guillermo Iriarte e compõe música. Conheci-o a jogar xadrez, numa noite à lareira. Aguardente velha, cigarros, crepitar da lenha e concentração pura.
Ficámos amigos para a vida, ainda que com a consciência de que a vida não nos daria muitas hipóteses de nos vermos.
Isto foi há dez anos e desde aí terei visto o Guillermo quatro vezes. Uma porque me telefonou quando estava de passagem em Lisboa, em Santa Apolónia, para apanhar o Comboio. Almoçámos num dos restaurantes que ali há e que têm, como todos os restaurantes perto das estações de comboio uma atmosfera de viagem antiga e por isso parados na década dos anos 40 inícios dos anos cinquenta (no limite). Outra vez porque passara uma semana a ir todos os dias ao Cabo da Roca para compor. Acho que ia para lá, ficava sentado e compunha, fustigado por aquele vento que só lá existe e que dá razão ao mito urbano (ou suburbano) que os locais especialmente ventosos têm os maiores índices de loucura e suicídios da terra. Almoçámos então no Refúgio da Roca, que tem durante o Inverno a melhor lareira, sobretudo à semana, e o melhor Robalo, sobretudo em Março (no beiral da lareira está uma espécie de cantil de porcelana com uns desenhos azuis e brancos que sempre me intrigaram, segundo dizem foram feitos por um médico que os fazia para oferecer aos amigos, são hipnóticos esses desenhos). A terceira vez encontrámo-nos no Gambrinus para outro almoço com o vagar e aquela quase cerimónia que fazem dos almoços no Gambrinus, na sala pequena (antes desta se ter convertido em sala de fumo e ter perdido o recolhimento que antes tinha e que dez dela, durante muito tempo, um dos melhores refúgios ao tédio do almoço tardio em Lisboa). O que falámos e sobretudo o registo em que falámos tornou esse almoço um momento, por instantes sentia-me no meio do livro sobre o Glenn Gould, o Náufrago. Uma das maiores criações da humanidade é para mim a maneira como se resolveu o ter de comer (acho que também não estivemos mal com outros "teres de", mas aí, a parte dos serviços não é comparável ao que por exemplo se encontra num restaurante, ou se existe eu não conheço). A quarta vez que almoçámos foi noutro lugar encantado, chamado Torre de Sande, em Cáceres e que participa das mesmas cores, um ambiente sépia que vem dos tons das pedras ocres e castanhas de que são feitas as casas fidalgas e são todas fidalgas naquela parte das Torres que fazem o casco viejo de Cáceres. O Guillermo chegou em pleno Agosto, com as ruas apinhadas da nova geração hippy que ali estava para um festival de música, embrulhado num cobertor. Tem sempre frio, mesmo no dia mais quente. Para além do cobertor trazia dois sacos de plástico com as suas coisas. Parecia um pássaro contente quando nos viu e entre abraços e ficar parado para realizar que estávamos ali, ia e vinha entre as nossas duas cadeiras, sem ocupar a sua, com os sacos numa mão, na mesma mão que segurava o cobertor contra o peito. Aconteceu outra vez voltar a conversar como se estivesse numa espécie de clube restrito, altas horas da noite, com a jóia da tertúlia que foi ficando até só estarmos nós à mesa.
Em Cáceres, a falar com o Guillermo, na Torre de Sande, a ouvir Bebe, a ficar no Rocamador ou no Convento La Parra, eu comecei a gostar muito da Estremadura e dos Extremeños.
Fui a Cáceres um dia e perdi-me de amores pelas ruas escondidas entre as suas Torres.
Estava no meio de um desenho, nem sequer cenário, mas desenho dos bons, como de Shaun Tan - que são os que estão reproduzidos.
Fui visitar um amigo, daqueles que vejo pouco e que gosto muito, chama-se Guillermo Iriarte e compõe música. Conheci-o a jogar xadrez, numa noite à lareira. Aguardente velha, cigarros, crepitar da lenha e concentração pura.
Ficámos amigos para a vida, ainda que com a consciência de que a vida não nos daria muitas hipóteses de nos vermos.
Isto foi há dez anos e desde aí terei visto o Guillermo quatro vezes. Uma porque me telefonou quando estava de passagem em Lisboa, em Santa Apolónia, para apanhar o Comboio. Almoçámos num dos restaurantes que ali há e que têm, como todos os restaurantes perto das estações de comboio uma atmosfera de viagem antiga e por isso parados na década dos anos 40 inícios dos anos cinquenta (no limite). Outra vez porque passara uma semana a ir todos os dias ao Cabo da Roca para compor. Acho que ia para lá, ficava sentado e compunha, fustigado por aquele vento que só lá existe e que dá razão ao mito urbano (ou suburbano) que os locais especialmente ventosos têm os maiores índices de loucura e suicídios da terra. Almoçámos então no Refúgio da Roca, que tem durante o Inverno a melhor lareira, sobretudo à semana, e o melhor Robalo, sobretudo em Março (no beiral da lareira está uma espécie de cantil de porcelana com uns desenhos azuis e brancos que sempre me intrigaram, segundo dizem foram feitos por um médico que os fazia para oferecer aos amigos, são hipnóticos esses desenhos). A terceira vez encontrámo-nos no Gambrinus para outro almoço com o vagar e aquela quase cerimónia que fazem dos almoços no Gambrinus, na sala pequena (antes desta se ter convertido em sala de fumo e ter perdido o recolhimento que antes tinha e que dez dela, durante muito tempo, um dos melhores refúgios ao tédio do almoço tardio em Lisboa). O que falámos e sobretudo o registo em que falámos tornou esse almoço um momento, por instantes sentia-me no meio do livro sobre o Glenn Gould, o Náufrago. Uma das maiores criações da humanidade é para mim a maneira como se resolveu o ter de comer (acho que também não estivemos mal com outros "teres de", mas aí, a parte dos serviços não é comparável ao que por exemplo se encontra num restaurante, ou se existe eu não conheço). A quarta vez que almoçámos foi noutro lugar encantado, chamado Torre de Sande, em Cáceres e que participa das mesmas cores, um ambiente sépia que vem dos tons das pedras ocres e castanhas de que são feitas as casas fidalgas e são todas fidalgas naquela parte das Torres que fazem o casco viejo de Cáceres. O Guillermo chegou em pleno Agosto, com as ruas apinhadas da nova geração hippy que ali estava para um festival de música, embrulhado num cobertor. Tem sempre frio, mesmo no dia mais quente. Para além do cobertor trazia dois sacos de plástico com as suas coisas. Parecia um pássaro contente quando nos viu e entre abraços e ficar parado para realizar que estávamos ali, ia e vinha entre as nossas duas cadeiras, sem ocupar a sua, com os sacos numa mão, na mesma mão que segurava o cobertor contra o peito. Aconteceu outra vez voltar a conversar como se estivesse numa espécie de clube restrito, altas horas da noite, com a jóia da tertúlia que foi ficando até só estarmos nós à mesa.
Em Cáceres, a falar com o Guillermo, na Torre de Sande, a ouvir Bebe, a ficar no Rocamador ou no Convento La Parra, eu comecei a gostar muito da Estremadura e dos Extremeños.
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