16.6.09

Coimbra (1)


Coimbra, Primavera de 1985
A sala da Biblioteca Geral de Coimbra parecia-me circular, mas era quadrada. Podia ser o interior de um ovni gigante, desenhado por quem fez os décors do filme Brasil ano 2000.
Os candeeiros individuais eram também ovais, de metal preto, ou seria verde escuro? Ligavam-se quando chegávamos ao lugar que nos tinham marcado no canto direito da folha de requisição dos livros.

Costumava lá ir em duas horas extremas: Quando abria, de manhã muito cedo, ou à noite, depois do jantar. Poder ir a uma Biblioteca à noite era um daqueles luxos que tornavam Coimbra um lugar perfeito para as solidões trabalhadas, como eu gostava de imaginar que era a minha no final da adolescência.
À noite a escala monumental da sala só se percebia pelos halos de luz espalhados pelas últimas filas de mesas, onde se sentavam os poucos, muito poucos que sabiam daquele segredo.
Uma vez não consegui conter uma gargalhada ao ler um livro de Scott Fitzgerald, era uma parte gaga que descrevia a ansiedade do personagem principal em conseguir entrar numa festa. Tinha de ter um disfarce para entrar na festa. Ele correu para a loja de disfarces, que estava a fechar e com os disfarces praticamente esgotados. Todos excepto o disfarce de um camelo, com a particularidade que era para duas pessoas, um fazia as patas de trás o outro as da frente mais cabeça. O diálogo que se seguia era entre o personagem e um traunseunte a quem ele procurava convencer, negociando um preço, a fazer de "patas de trás".

No meio da sala em silêncio escrupuloso não consegui morder a língua, parar o riso, travar o ar do riso. Vencida a resistência a gargalhada saíu ainda com mais pressão, excactamente como acontece com os espirros que se procuram travar.

Quando acabou eu fiquei a ouvi-la repetidas vezes.

A culpa despejava-a de novo e de novo na memória perfeita do seu despropósito.

2 comentários:

Marta disse...

uma cena digna de filme! não digo do Clube dos Poetas Mortos, mas de um outro bom filme :)

e sim. parece-me algo raro e extraordinário ir à biblioteca à noite!

Tiago Taron disse...

e o silêncio de uma biblioteca à noite? consegue superar o silêncio das igrejas, quando anoitece muito cedo no Inverno, já acabou o terço e ainda lá ficaram cinco senhoras e um homem curvado que apesar de estar de joelhos não se percebe se está acordado. Só o sacristão,. sem paramentos a passar pelo altar ou a senhora da entrega dos livros a fazer renda enquanto espera na vigia.