11.6.09

Loanda (3)

(desenho de Saun Taun)

A memória asssistida pelo Google acaba por recuar, como um animal confuso e assustado com o excesso de chamamentos.
À febre inicial de me sentir verdadeiramente transportado aos últimos anos do século XIX em Luanda sucede o vazio de ter ficado em tempo nenhum, privado do actual e banido do antigo. Como acontece nos sonhos conservo algumas imagens dessa regressão à Loanda de 1895. Como acontece com os sonhadores compulsivos, acredito que o pouco que ainda me lembro desses dias, se não o escrever, vai desaparecer e quase que desculpo o facto de não o ter feito enquanto durou a dissociação com a mesma analogia: também ninguém consegue escrever o sonho que está em curso.
Durante muitos dias e muitas noites, em torpor, vaguiei pelos descitores, muitas vezes repetidos, que me levavam aos mesmos sitios, aos mesmos parágrafos, lidos já só nas primeiras três palavras, ou - nem sequer isso - revisitados no grafismo da mesma página da decepção, aquela que prometia tanto na indicação dos resultados da pesquisa mas que não tinha nada do que procurava e à qual acabava por voltar desprevenido, não sei quantas vezes.
Antecipo o tempo dos meus filhos, ou dos filhos dos filhos deles, quando estiverem no tempo em que estou agora. Irão sorrir das minhas dificuldades em encontar o que procuro. Certamente de aqui a trinta anos a Biblioteca Nacional já terá mesmo digitalizado os jornais de todo o século XIX, certamente que o Google News terá catalogados ao infimo descritor todos os jornais de Luanda dessa altura e a inserção do nome que persigo e não encontro, do Hotel que tento localizar e não vejo, do tutor nomeado que gostava de descobrir, será canja para qualquer um deles.
Como tendo a pensar por compensações, acredito que então a dificuldade estará em conseguir dissociar do tempo presente como aconteceu comigo nos dias anteriores. Na deriva das pesquisas frustradas, foi-se tecendo uma segunda realidade, em paralelo com a que procurava, uma realidade formada aleatoriamente pelas mais dispares informações, pedaços de livros, livros inteiros, biografias, fotografias da época, comentários às fotografias da época, blogs, discussões nos blogs.
Só pela ausência da informação que procurei e por causa da compulsão em encontrá-la consegui sentir-me transportado a um tempo que agora me é familiar, do mesmo modo que me é familiar SanPetesburgo das Noites Brancas, só por ter lido o livro.
A segunda compensação que me ocorre vem da estranheza que seria encontrar de aqui a cem anos um blog escrito pelas pessoas cujo passado seja procurado, sabendo que hoje encontrarei, no melhor dos casos uma pequeníssima migalha da sombra fugidia num lago envolto em neblina.
Quando na pesquisa dos bisavós os bisnetos encontrarem o respectivo Facebook, o seu Blog, as fotografias que eles e os amigos deixaram, o passado terá necessariamente outro significado, será sempre passado, mas talvez as verdadeiras memórias fujam, como sinto que a minha está prestes a fugir com tanto chamamento.

1 comentário:

Marta disse...

Excelente reflexão. inevitável não o pensar. mérito de o escrever.