26.11.09

EM DEFESA DO JARDIM DO PRÍNCIPE REAL / 3º DIA (conclusão)




Chego ao fim do terceiro dia de revolta. Olho para o que escrevi, olho para mim e tenho dificuldade em aceitar tantas palavras inúteis ou mesmo, pior do que isso, úteis para qualquer coisa de tão inútil como a aparente promoção ou exibição pessoal. De novo as dúvidas e de novo a sua relativização. Porém, por mais que não as leve a sério, fazem a mesma moça que o insulto que depois se desmente, ficam aqui, numa zona mais recuada que a da consciência, mas ficam.


De pouco serviria dizer que não pretendo mais nada com isto, da defesa do jardim do príncipe real, do que continuar a contar com o meu Jardim. Só essa "pessoalização" da coisa bastaria para justificar que o que fui escrevendo ao longo destes três dias não passou de uma birra, ou de uma exagerada e – como se diz em Teatro – histriónica torrente de repetições de lamentos empolados e quase argumentos.


Procuro agora fazer um balanço, até para decidir como continuar.


Há pouco estive no Quiosque do Oliveira, aí soube que o Sr. Vereador dos Espaços Verdes tinha ido visitar o local; aí ouvi da boca do próprio Oliveira o que lhe foi dito por aquele e que me abstenho de transcrever, por respeito a quem viu de um dia para o outro o seu estabelecimento (que era a pequena construção chamada quiosque, debaixo de uma árvore de onde vinha a sombra e o recolhimento da sua esplanada), completamente devassado.


Tudo o que é demais cansa, e estou consciente que a multiplicação de escritos exaltados sobre o que está a acontecer no Príncipe Real, em vez de ajudar a sensibilizar as pessoas para o que me parece uma questão essencial (a destruição de um património), encosta-me aos fundamentalistas das causas "para-que-já-não-há-pachorra".


É verdade, continuar a debitar para aqui o dia-a-dia de um diálogo que não tem interlocutor seria um exercício no mínimo de histeria (se é que já não o começa a ser, desde logo neste escrito).


Assim, o que terei de fazer, por muito que me custe, e ante o insucesso quer das cartas enviadas, quer dos pedidos de explicação e de descrição do que será o projectado "restaurado jardim do príncipe real", é pôr-me a estudar como é que se interpõe uma acção popular administrativa semelhante àquelas que o actual Vereador dos Espaços Verdes por várias vezes intentou, algumas delas com estrondoso sucesso.


Não percebo nada de Direito Administrativo e o pouco que tive de perceber cedo me alertou para o facto de ser um dos ramos do direito que em termos processuais mais armadilhas tem para os atrevidos outsiders, sendo um ramo em que a lógica formal do "acto administrativo", do "autor do acto", dos recursos necessários e das fórmulas obrigatórias, o tornam numa espécie de liturgia reservada a iniciados.


Ainda assim terei de lançar mãos à obra e avaliar até que ponto é possível nesta circunstância pedir a um Tribunal que: (i) obrigue a Câmara Municipal de Lisboa a repor no local das 46 árvores que abateu, outras tantas de igual porte; (ii) obrigue a Câmara Municipal de Lisboa a respeitar o que é característico no património arquitectónico daquele jardim (respeitando o seu carácter Romântico, respeitando as artificialmente irreproduzíveis marcas do tempo, abstendo-se de o desvirtuar a coberto de discutíveis considerações sobre o que devem ser os jardins hoje (essas considerações deveriam ser limitadas aos jardins a construir e não àqueles cuja vida já lhe proporcionou aquele direito à diferença que às pessoas grandes também reconhecemos - um dos exemplos era um dos habitantes desse Jardim, Agostinho da Silva, outro, um outro habitante desse Jardim, João César Monteiro, esse mesmo Jardim que entre outros foi descrito por John Le-Carré, salvo erro na Casa da Rússia).


Hoje, estão máquinas a partir o pavimento onde se encontravam as árvores derrubadas. Em breve esse pavimento terá sido totalmente removido, assim como as raízes e os troncos das árvores que atestavam a sua saúde. Em breve, temo eu, será ali colocado um outro pavimento sem que seja reposta a barreira de arvoredo que separava o final do passeio do jardim do passeio público (ver fotografia do post anterior, onde essa barreira é visível). Em breve será tarde de mais para preservar o que resta do espírito único daquele lugar.


Há uma enorme hipocrisia e falta de verdade na actuação da Câmara em toda uma história que hoje recebi sobre a falta de qualquer cuidado com o Plátano plantado no Príncipe Real a partir de um rebento de uma das mais famosas e antigas árvores do mundo: o "Plátano de Hipócrates" – Ilha de Cós Grécia), assim chamado por ser à sua sombra que Hipócrates examinava os seus pacientes. O rebento dessa Árvore foi plantado nos anos 50 num local que a partir dos registos fotográficos permitiu a sua identificação. Apesar dos vários pedidos apresentados no sentido daquela árvore ser limpa, identificada e especialmente protegida, nenhum deles foi atendido (felizmente o abate não lhe tocou, pelo menos até ao momento, não sendo de presumir que tal venha a acontecer).


O que aconteceu ao Jardim de São Pedro de Alcântara constitui, a meu ver, motivo suficiente para que qualquer pessoa de bom senso tema pelo que pode acontecer no Jardim França Borges (Jardim do Príncipe Real). Em termos práticos, e muito sintéticos, essa seria a minha causa de pedir na acção que terei de ver se é possível e o que implicará. Esta é a camisa de doze varas que arranjei na manhã em que assisti à razia daquelas quarenta árvores, em que ouvi o Sr. Oliveira a despedir-se daquela que lhe cobria o Quiosque, tentando explicar aos senhores das motosserras que aquela árvore estava sã, assim como a maior parte de todas as outras entretanto abatidas.


Por isso, desta inicial revolta e incontinente desabafo terei de procurar passar à acção, como puder, com o que souber e com o que me resta da motivação que a revolta sempre dá.


Entretanto a história repete-se, há cerca de sessenta anos o meu avô, Francisco da Cunha Leão, lutou como pôde pela defesa das árvores da Avenida da Liberdade, escrevendo então no Diário Popular diversos artigos sobre contra o seu anunciado corte. Não teve sucesso, provavelmente também não o terei, mas acredito que aquilo de que é feito cada um é precisamente dessa história que inconscientemente repetimos e que nos leva a agir por um dever que às vezes parece maior do que nossa vontade e, sobretudo, muito além das nossas capacidades, como é o caso.


A todos os que foram seguindo a evolução destes dias e que acompanharam o que para aqui fui mandando, àqueles que conseguiram chegar ao final deste "lençol", muito obrigado pela paciência e, sobretudo, pela tolerância com os muitos erros de escrita e de teclado, meus e da máquina que insiste em comer as letras.


Boa noite.

6 comentários:

ana disse...

parabéns pela sua persistência, Tiago.

analima disse...

Tiago: penso compreender as razões que foi apontando ao longo destes dias. E não me parece que o facto de aqui as explanar seja descabido ou sem sentido ou ainda que não tenha qualquer consequência. A prova de que existem consequências está em alguma reacção que os seus e outros protestos já provocaram. Dir-me-á que esta sim é uma reacção inconsequente uma vez que as acções continuam a decorrer e os factos consumados sobrepõem-se a tudo o resto e assim é.
Eu tenho uma característica que considero por vezes um defeito e por outras uma virtude: raramente abraço uma causa por considerar, a maior parte das vezes, não ter todos os elementos que me asseguram a sua justeza. Neste caso custa-me aceitar que a Câmara tenha algum interesse obscuro em desvirtuar um jardim que, como tão bem tem dito, faz parte da vivência de tantos lisboetas e não só, uma vez que não há guia turístico que não o refira. O parque de estacionamento subterrâneo, de que se continua a falar, não faz qualquer sentido e espero que seja uma ideia abandonada.
Confesso, no entanto, que, apesar de continuar a dar o benefício da dúvida às intenções da CML, me parece exagerado o abate de tanta árvore. Eu, perdoem-me os mais fervorosos defensores das árvores, confesso que não partilho, de forma tão veemente, o vosso amor por elas, ou pelas plantas em geral. Mas não sou insensível à sua existência enquanto seres vivos e também não gosto de as ver cortadas daquela maneira. Não compreendo ainda como é que a Câmara, nem que fosse pela razão mais mesquinha de saber a quantidade de protestos que esta intervenção iria provocar, não divulgou antecipadamente as suas intenções. E isso, com efeito, faz pensar.
Admiro a forma como defende o que considera justo e por esse motivo deve continuar a fazê-lo. É isso que distingue um cidadão.

analima disse...

Quanto aos projectos de que fala para os edifícios da área do Príncipe Real não tenho elementos suficientes que me permitam ter uma opinião. Não compreendo a sua questão relativamente ao Colégio dos Inglesinhos.
Já em relação ao Bairro Alto parece-me que há, de facto, uma tentativa de intervir simultaneamente em alguns aspectos. Mas as questões agora colocadas não são novas. O Bairro Alto, enquanto bairro com uma enorme visibilidade para o exterior, é sempre alvo de intervenções por parte das diferentes gestões camarárias. Nos últimos tempos Santana Lopes modificou os acessos e a forma de circulação, por exemplo. As alterações aos horários de funcionamento dos bares têm a ver com todas as queixas feitas pelos residentes que consideram inaceitável a situação como tem estado. Mas a minha opinião é que este é mais um teste e que outras alternativas virão a ser testadas. No que respeita aos graffiti as opiniões também se dividem entre os que consideram que é tudo poluição visual e aqueles que os entendem como uma forma de arte, uma manifestação cultural. E se é verdade que os graffiti desde sempre estiveram presentes, sobretudo nas cidades, também é verdade que a forma como determinados edifícios se apresentam, cheios de tags e outras inscrições do género, não são visualmente agradáveis além de contribuírem para a maior degradação dos materiais. Eu, pessoalmente, acho que a ideia do Museu do Efémero era muito interessante. Mas a limpeza das fachadas levada a cabo pela câmara não teve como objectivo retirar uns e não outros. Ela pretende limpar tudo e pintar por cima. Provavelmente como começaram pela R. do Norte, onde existiam muitos bons exemplares, pode ter dado essa ideia. Mas actualmente já outras ruas estão inteiramente “limpas”. Quanto a mim não faz muito sentido tentar dar um ar mais “legal” à actividade, colocando paredes amovíveis que são depois preenchidas, como se fez na Calçada da Glória e se tem feito, desde há uns anos, aqui no concelho de Oeiras. (Aliás este ano, aqui, a câmara contratou a pintura com graffiti de uma série de viadutos e túneis). Além disso os writers já devem estar habituados ao efémero das suas obras.

Tiago Taron disse...

Analima, mais uma vez agradeço-lhe os seus comentários, sobretudo porque constituem uma oportunidade para pensar. Desvirtuar o Jardim do Príncipe Real é por si só um dano suficiente para que se procure evitá-lo. Não é necessário que existam interesses obscuros por trás do que está a ser feito para que a "causa" tenha sucesso. A mais obscura das razões é a ignorância e o mau-gosto juntos, as outras ferem menos, porque podem ser discutidas, rebatidas, etc. Se reparar no que fui escrevendo nunca falei em interesses obscuros ou em parques de estacionamento subterrâneos (em que não acredito) ou em qualquer concluiu entre Câmara e interesses privados escondidos. Sinceramente não acredito que seja esse o caso e não precisava de ser para que a "defesa do jardim do príncipe real" fizesse sentido.
Estamos muitas vezes habituados a associar as "causas" com a administração pública (Câmaras, Governos), como causas "contra" estes ou aqueles interesses. Neste caso a "causa" não é contra mas a favor do interesse daqueles que julgam ser de preservar um dos jardins mais carismáticos de Lisboa, um dos jardins mais filmados, mais escritos e que no Sábado de manhã era um dos melhores lugares desta cidade para se estar. Ao Sábado de manhã, por causa do mercado que aí funcionava e do ambiente daquele jardim, com a sua decadência elegante que faz parte da sua natureza romântica, Lisboa atingia um pico (de felicidade, de bom viver, de fotogenia.
É pelo sítio e não contra ninguém que me empenho. É pelo sítio em que habito, egoisticamente, se quiser, mas é a favor dele e não contra ninguém, insisto.
Por último as referências que fiz no comentário que deixei na sua página têm que ver com o que está a acontecer nesta zona. O Bairro Alto está pior do que estava há cinco anos. Deixou progressivamente de ser um sítio em que estavam todo o tipo de pessoas, para passar a ser um sítio onde só vão alguns dos resistentes e os que entretanto montaram lá estabelecimento de venda ambulante de louro em cada esquina, ou os rapazinhos do boné ao contrário. A alteração dos horários contribuiu para essa descaracterização (e para esse despovoamento) do Bairro Alto que, como disse, é hoje um sítio que não oferece a mesma segurança - a partir da uma hora e meia da madrugada - que oferecia há três anos. Só para lhe dar um exemplo: eu sempre andei por qualquer rua do Bairro a qualquer hora até que recentemente passei a utilizar apenas a rua da Rosa a partir da 1h30. Razão? É a única que ainda tem algum movimento, porque é por ela que passam os carros. A referência ao Convento dos Inglesinhos (e gosto muito, mesmo muito do que lá foi feito) tem como razão de ser questionar qual o futuro de um bairro que depois desta profunda alteração vai passar a ter um novo tipo de residentes. É uma pergunta, não é uma crítica. Faço-a, aliás, com a curiosa expectativa com que aguardo pela natural evolução do Bairro nesse aspecto. Já quanto aos projectos privados para o Príncipe Real, a circunstância deles serem de grande dimensão e estarem concentrados nas mãos de um ou dois investidores, justificariam mais informação, pelo impacto que podem ter nesta zona, foi só isso que eu quis dizer e não dar a entender aexistência de quaisquer interesses obscuros no que está a acontecer no Jardim do Príncipe Real.

Tiago Taron disse...

Paula: Obrigado, pela persistência com que acompanha o que vai acontecendo nesta história.

analima disse...

Em relação ao Bairro Alto penso que muitas das situações que refere não têm uma causa única. O facto de outras áreas da cidade oferecerem estabelecimentos de diversão nocturna dispersando cada vez mais a oferta, por exemplo, também contribui para diminuir aqui o número de frequentadores. E claro que quanto menos pessoas mais insegurança e com mais insegurança, menos pessoas. É um círculo vicioso, de facto.
O projecto do Colégio dos Inglesinhos tem algum interesse mas, pelos vistos, não gosto tanto dele como o Tiago. Os condomínios de luxo, normalmente, pouco trazem de novo para um local, uma vez que os seus habitantes, também por norma, apenas moram ali, não organizando a sua vida quotidiana fora dos muros. Para lá entram de carro, de lá saem de carro e as suas relações com o espaço envolvente são muito limitadas.