26.1.11

PROCURAR


Um homem com um detector de metais, varre a areia sem lhe tocar e repete os gestos na mesma cadência dos passos.
Terá um método que cumpre.
Se me demorar o suficiente a olhar para ele vou percebê-lo.
Está frio.
Não são auscultadores de Ipod o que ele tem nos ouvido, são uns pompons brancos que tornam a sua silhueta ainda mais bizarra.
Empunha uma haste enorme que termina num disco que desliza sobre a linha da areia.
Os pompons são os auscultadores da geringonça e devem emitir um sinal quando chega aos metais. O meu relógio.
Perdi uma vez um relógio na praia, era um Omega que pertencera ao meu avô.
Foi o primeiro desgosto que dei ao meu pai e por isso o meu primeiro grande desgosto.
Não sei se vem daí a minha angústia cada vez que vejo alguém a procurar qualquer coisa. Custa-me mais ver alguém estacado com o olhar absorto fixado no chão, à procura, do que ver essa pessoa cair aos rebolões ao longo de três lanços de escadas seguidos.
O Homem do detector de metais faz parte da paisagem, excepto para as gaivotas que o olham como olham para nós todos. Para elas aquele é mais um desses seres bizarros que não voam e que fazem aquilo aos albatrozes que o Baudelaire descreve num dos poemas mais célebres de sempre.
Sei que não pode encontrar o relógio, passaram-se quarenta anos e nem sequer foi aqui no Guincho que o perdi, foi na praia do Tamariz, ainda assim invejo-lhe a esperança e continuo a observá-lo para lhe adivinhar o método.
Nunca o vi encontrar nada e as poucas coisas que recolhe do chão, de cócoras, volta a devolvê-las para o chão, como um pescador que eu vi no outro dia, junto à Fortaleza do Guincho, que devolvia ao mar todos os peixes que pescava.


2 comentários:

Bípede Falante disse...

Os pais não deveriam aprisionar os filhos aos objetos da família, os objetos da família deveriam ser trocados pelos afetos da família, pela família e quase nada mais se perderia. Mas, enfim, trocam, e a minha mãe derramou lágrimas de sangue quando quebrei um vaso de cristal que ela havia herdado do meu avô.
beijo
BF

Bípede Falante disse...

E por falar em botão, o meu segue perdido, graças a deus *risos*. Falando sério, que expressiva beleza e perda se revelam no seu quadro, nessa outra menina.