1.5.20
Seixas, 22 de Março de 2020
Recolho o caderno vermelho que comprei na nunca por demais gabada Tabacaria Gomes, visita obrigatória para quem vem a Caminha. Aqui comprava a minha avó todas as semanas o Paris Match. Nesse tempo ainda estava no Terreiro e era ainda mais densamente organizada. Recordo-me de passar o meio das manhãs de Verão, enquanto a avó fazia as compras, na súbita penumbra fresca daquele corredor ladeado de livros, revistas, formando uma densidade de côr que aumentava o ar de bazar ideal (muitos anos antes do formidável Bazar Paraíso do Peter Winter e da Carla Sousa, na Rua do Norte, ao Bairro Alto, Lisboa) a escolher o livro para essas férias.
O vício dos cadernos encontro-o também nos sucessivos cadernos de notas e contas da avó Olga e do avô Mário, que se encontram hoje na loja junto à adega (a que chamamos "garrafeira"), assim como as taça que o Pai ganhou nas corridas de Motonáutica no início dos anos 60, os álbuns de fotografias e diversos documentos das várias gerações que viveram nesta casa.
Até ao início desta Pândemia, se resisti voltar a comprar o Paris Match - até porque não fazia o mesmo sentido que fazia nos anos setenta - fui comprando sempre a New Yorker, que muitas vezes deixava no mesmo lugar em que ficavam as revistas da avó. (na mesa oval que existia na sala verde).
Os tempos mudaram, mas há uma espécie de mera actualização na Tabacaria Gomes. Já não é o Sr. Cepa que lá está com o seu boné e expressão de quem está a meio de um cálculo qualquer, enquanto nos atendia sem parecer dar por nós, mas o Cristiano. No tempo do Paris Match, estávamos no iníco dos anos 70 (pouco depois do Maio de 68, pouco antes da novela do Chá da Pérsia e das fotos fantásticas da Brigite Bardot em Saint Tropez e do Belmondo, Pierre Le Fou, Carolina do Mônaco. No terreiro ainda se estacionavam os carros, à frente do chafariz. A Tabacaria ficava mesmo depois de atravessar o resto da rua do Terreiro, era o primeiro sítio e o mais apetecível dos que percorriamos nas manhãs das férias grandes, quando não íamos à praia.
Começo então:
Gondarém, 22 de Março de 2020
Cheguei ao lugar de onde nunca fui: a casa de Gondarém acolhe-me nestes tempos de cólera, serenamente triunfante, segura de que aconteceu o que Ela sabia que aconteceria: a sua sobrevivência
Ela é a minha trisavó Maria Joaquina dos Santos, a minha bisavó Engrácia da Luz Pérez e a minha avó Olga Marie Esse Taron Oliveira.
1. Maria Joaquina dos Santos
Maria Joaquina dos Santos, a primeira das três mulheres desta casa, nasceu a 22 de Março de 1849 no lugar do Facho na freguesia de São Bento de Seixas, filha de Joaquim Lourenço dos Santos e de Maria Ventura Paredes, do mesmo lugar e freguesia. Neta paterna de Manoel Lourenço dos Santos e Maria Rosa de Malheiras (do mesmo lugar e freguesia) e neta materna de João Lourenço Lanhelas e Maria Lourença Paredes do lugar da Deveza, da mesma freguesia de Seixas e concelho de Caminha.
A 23 de Janeiro de 1873, pelas dez horas da manhã, casou na Igreja de São Bento, em Seixas com José Manuel Peres [nos documentos consultados no Arquivo Distrital de Viana do Castelo, doravante "ADVC", o nome Pérez" aparece umas vezes escrito com z e outras com s], filho legitimo de Marcelino Lourenço Peres e Mariana Lourenço Afonso Carilho, do lugar do Montinho, daquela mesma freguesia de São Bento de Seixas onde nascera a 22/03/1844 (neto patermo de Manoel Lourenço Pérez [aqui escrito com "z"] e Anna Rosa de [? Ceira ?]. - e materno de António Lindo e de Maria Laura do Lugar de Naves (?) Testemunharam-no formalmente (assinando o Assento de Casamento lavrado pelo Frey António Luís): Joaquim Lourenço dos Santos (pai da noiva), José Malheiro - ambos dados como pescadores do lugar do Facho - e Pedro José dos Santos, barqueiro do Lugar do Facho, também da mesma freguesia de Seixas.
Deste primeiro casamento nascem quatro filhos:
1.a) Manoel José Pérez, nasce em 1871 e vem a falecer em Fevereiro de 1894;
1.b) Engrácia da Luz dos Santos (Pérez), nascida a 4/06/1873 e falecida em Luanda a 17/06/1895
1.c) Maria José dos Santos, nascida a 1 de Janeiro de 1875, no lugar do Rego da freguesia de Gondarém [corresponderá esse lugar ao lugar do Regueiro que passa pela casa?];
1.d) Rosa Maria dos Santos (Pérez), nascida a 30 de Março de 1876, "anjo" (falecida a 15/04/1876
A 18 de Janeiro de 1876 José Manuel Perez falece na sua casa no Lugar da Aldeia em Gondarém, sendo porém sepultado em Seixas (razão pela qual o Assento de óbito se encontra nos registos paroquiais de Seixas e não de Gondarém. Tendo à data o seu falecimento três filhos (Manoel José, Engrácia da Luz e Maria José, não encontrei qualquer referência à existência do já então obrigatório Inventário Orfanológico (como resulta do Inventário Orfanológico aberto em 1872 por morte de Maria Ventura Paredes, mãe de Maria Joaquina).
Assim, quando Maria Joaquina dos Santos dá à luz Rosa Martia dos Santos, já é viúva. Tem então 27 anos e três filhos e reside ainda no Ligar da Aldeia, em Gondarém.
A 18 de Julho de 1878 vem a casar pela 2ª vez, com Manuel António Carvalho, dado como "trabalhador empreiteiro do caminho de ferro), sendo que Maria Joaquina é dada como "estalajadeira ou vendeira e residente no Lugar de São Sebastião.
Será nessa sua casa (que poderá corresponder à actual Alminha de Gondarém) que o empreiteiro de Caminhs de Ferro se instalou por ocasião da construção da ligação ferroviária entre Caminha e Valença, que teve o seu início em Junho de 1878 e término nem Agosto do ano seguinte.
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